Ligia Nery
03/03/2015 | A MENINA DE ISTAMBUL
Diante de uma plateia de jovens inquietos sobre suas vidas e escolhas, surgiu um questionamento sobre o quanto nós devemos nos impulsionar pelo sonho. Escolhida com carinho, uma frase no telão dizia que podemos ser muito mais do que nossas circunstâncias. Podemos ser do tamanho de nossos sonhos. Nada acontece sem eles.
Sonhos também são armadilhas, refúgios para os que não conseguem sair do “ideal” ou os que se aprisionam a um entendimento meramente poético. Desejo nesses momentos gerar uma experiência nas pessoas, para que possam sair diferentes do que entraram. Concordando ou discordando, mas pensando. Nesse dia específico, veio de mim primeiro o silêncio, com ele me invadiu o desafio.
Quis construir um entendimento que pudesse fazê-los “sentir” e levar consigo para sempre a dúvida, o paradoxo, mas de forma construtiva e não paralisadora. Nascia uma personagem, uma fábula, uma maneira diferente de contar uma história de pessoas para tocar outras pessoas... como experiências ou instalações na alma.
Quando aprendizados necessários para gerenciar a vida, a carreira e a felicidade acabam tendo marcadores mais significativos do que apenas frases feitas. São histórias de gente, muitas reais, que se multiplicam e como numa corrente vão despertando e ajudando uns aos outros.
Boa viagem por dentro de você!
Alice nasceu em uma humilde família de uma muito pequena cidade do interior do estado. Bebê, como todos nós, povoou suas noites com sonhos e belas imagens. As suas não eram fadas, bichinhos, flores ou bonecas. Eram castelos!
A pequena Alice ficou marcada por esta identidade. Ela era a menininha dos castelos, de tanto que gostava e vivenciava fantasiosamente aquilo. Apareciam nas suas festinhas de aniversário, nos presentes e desenhos. Voltaram de forma intensa na escola.
As imagens se tornaram vívidas nos livros de História e Geografia. O universo lúdico e tão infantil passou a existir e ser “real”. A cidade de Istambul surge como um “susto”, uma aparição de sua arquitetura até então apenas tão “particular”.
Alice então encontra portais no estudo, na cultura: a Turquia, suas catedrais, cúpulas representantes da arquitetura bizantina, recheadas de história. Aqui “estudar” é um convite à vida, ou a vida é um convite ao estudo?
Tudo então vira Istambul, ela ama e ajusta o foco em direção a Istambul. O tempo passa. Chega o dia, como chegou para todos nós, em que pais, professores e amigos, às vezes, todos juntos, nos olham e perguntam:
“E agora? O que tu queres ser quando crescer? O que vai fazer da sua vida?”. Alice paralisa. Alguém lembra dessa sensação? Na falta de outra resposta, ela diz a única coisa de que tem certeza:
“Vou para Istambul!!!”
Pior (ou melhor?), todos se mostram satisfeitos, dão as costas e o assunto por resolvido. Ela percebe que é só o que tem por enquanto, então por que não?
Começa sua caminhada em direção a Istambul. Primeira certeza. Nenhum jatinho virá buscá-la para levá-la até lá sem escala. Sair da cidade, ir para Porto Alegre, buscar estudo, trabalho, dinheiro, idiomas. Assim foi. Passou um tempo e nada parecia suficiente, e Istambul parecia tão distante ainda. São Paulo, sim. São Paulo parecia mais perto. E lá foi ela.
Novo emprego, agora numa multinacional, juntar mais dinheiro, tentar sair do país a trabalho, carimbar o passaporte.
Isso fazia sentido na direção de Istambul. Muita batalha e surgiu uma empresa francesa. A mira de Alice apontou para lá. Passou-se um tempo, a primeira, a segunda, a terceira ida à Europa.
Apaixonou-se por um francês, casou-se, foi morar em Paris, teve um filho lindo.
Férias no Brasil, rever os pais, vizinhos, amigos e professores. Todos queriam ver na cidade natal a “menina de Istambul bem-sucedida” que vive na Europa, bem casada com um estrangeiro.
Ora! Qual a primeira pergunta que fazem?
“E aí, querida?
Como está em Istambul?
Está feliz?”. Ela responde:
“Não fui para Istambul... Moro em Paris”.
Silêncio coletivo.
Todos olham com pesar e constrangimento.
Um filme passou na cabeça de Alice, um pensamento de fracasso invadiu seu corpo todo.
“Deus! Não consegui o que queria. Tanto esforço...”
A desilusão momentânea a surpreendeu com outra súbita sensação.
A mulher Alice olhou para si e se deu conta de que nunca esteve tão feliz e que Istambul nunca foi tão importante em sua vida. Se é que você me entende!
Viva o mais lindo paradoxo. Ninguém chega a lugar nenhum se não tiver um lugar para chegar!
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