Espaço do leitor


22/01/2013 | Fim da linha em Paris

Por Rodrigo Constantino

A França é um país com enorme riqueza cultural, mas que sempre alimentou ideias políticas e econômicas esquisitas. À exceção de pensadores brilhantes como Voltaire, Frederic Bastiat, Alexis de Tocqueville, Jean-François Revel, Raymond Aron, Guy Sorman e alguns outros, o fato é que quase todas as ideologias estatizantes possuem um DNA francês. O Estado é adorado por lá. Escrevi no capítulo “Décadence avec élégance” do meu livro “Privatize Já” (editora LeYa):

Se tem um importante país europeu onde a mentalidade estatólatra é predominante, esse país é a França. Desde os tempos de Luís XIV, a quem é atribuída a frase L’État c’est moi (o estado sou eu), a França é palco de regimes concentradores de poder e recursos no estado. O ministro de Luís XIV, Colbert, daria inclusive nome a esse modelo mercantilista controlador. Seu oposto, o laissez-faire, teria surgido como um grito de desespero dos empresários frente a essa asfixia causada pelo “colbertismo”.

Isso tudo me veio à mente nesses dias, quando o ator Gerárd Depardieu decidiu abrir mão de sua cidadania francesa e passou a ser um cidadão russo. Quando alguém prefere abandonar a “cidade das luzes” em troca da gélida Rússia sob o comando de Vladimir Putin é porque a coisa está realmente feia na França. E de fato está!

Muitos resolveram criticar não o governo francês e sua sede insaciável por recursos, mas o ator, acusado de antipatriotismo. Depardieu rebateu com uma carta aberta, alegando que trabalha desde cedo e que já pagou, segundo seus cálculos, quase US$ 200 milhões em tributos ao longo de sua vida. Realmente, se alguém acha pouco, é porque perdeu completamente o juízo.

O presidente socialista François Hollande venceu com uma plataforma populista de taxar mais ainda os ricos. Ao subir para 75% o imposto daqueles que ganham mais de um milhão de euros por ano, o governo francês está declarando que os ricos são escravos. Ninguém em sã consciência pode considerar razoável uma pessoa trabalhar três quartos do ano apenas para sustentar a máquina estatal.

Claro que muitos ricos possuem inúmeros privilégios e esquemas para burlar parte desse fardo absurdo. A França, nesse e em outros aspectos, parece-se muito com certo país tupiniquim da América do Sul. Subsídios estatais, brechas legais, favorecimentos de todo tipo, enfim, os grandes grupos aliados do “rei” conseguem sobreviver nesse capitalismo de compadres. Mas um ator, um esportista, um profissional liberal que ganha muito dinheiro nem sempre desfruta das mesmas regalias.

Com suas medidas cada vez mais socializantes, a França acabou criando uma casta de privilegiados e uma reduzida mobilidade social. As mesmas grandes empresas existem há décadas. Não há casos de empresas inovadoras que nascem em garagens e ficam gigantes. Não há casos de gigantes que vão à falência, como deveria ocorrer em um sistema capitalista de livre mercado. Os vencedores de antes se protegem com as muletas estatais da concorrência, engessando a economia.

John Bagot Glubb, em seu livro de 1978 “The Fate of Empires and the Search for Survival”, tenta definir um padrão comum de ascensão e declínio de impérios. Seus estudos apontam para os seguintes estágios: 1. Era da explosão com os pioneiros; 2. Era das conquistas; 3. Era do comércio; 4. Era da abundância; 5. Era do intelecto; 6. Era da decadência; 7. Era do declínio e colapso.

Outros pesquisadores, como Will Durant, chegaram a conclusões semelhantes: o próprio sucesso planta as sementes do fracasso. Após uma era da abundância, intelectuais começam a colocar em xeque os valores que permitiram tais conquistas, e vendem ilusões, utopias, sistemas abstratos desligados da realidade. Uma decadência moral toma conta do império, os heróis deixam de ser os empreendedores, e passam a ser artistas e intelectuais cujas vidas são exemplos de imoralidade. Os bárbaros vêm de dentro!

O Estado de bem-estar social é criado com os frutos das velhas conquistas, e prepara o terreno para os escombros a seguir. A França não está sozinha nessa trajetória. Mas ela pode ser vista como seu grande ícone. Os Estados Unidos vêm atrás, com mais tempo para desperdiçar, mas seguindo o mesmo caminho fadado ao fracasso.

Em crise existencial, a Europa pós-moderna, liderada pela França, possui estudantes de 30 anos e aposentados de 50 anos, e ainda se questiona por que o pequeno grupo de trabalhadores entre eles não consegue fazer as contas fecharem.

É triste ver a civilização ocidental, especialmente a França, representante de um incrível legado cultural, passar por isso. Mas estamos diante de uma profunda crise de valores, e enquanto estes não mudarem, o destino não parece nada promissor. A debandada de Gérard Depardieu é apenas um sintoma da doença. Se ela continuar sendo ignorada, a decadência será inevitável.

Rodrigo Constantino é formado em Economia pela PUC-RJ, e tem MBA de Finanças pelo IBMEC. Trabalha no setor financeiro desde 1997. É autor de sete livros: "Prisioneiros da Liberdade", "Estrela Cadente: As Contradições e Trapalhadas do PT"", "Egoísmo Racional: O Individualismo de Ayn Rand" ,"Uma Luz na Escuridão" "Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca", "Liberal com orgulho" e "Privatize Já". Foi colunista da revista Voto e do jornal Valor Econômico. É colaborador do jornal O Globo e do site OrdemLivre.org. É membro-fundador do Instituto Millenium e diretor do Instituto Liberal. Foi o vencedor do Prêmio Libertas em 2009, no XXII Fórum da Liberdade.

http://rodrigoconstantino.blogspot.com.br/


E-mail: constantino.rodrigo@gmail.com


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