Gilberto Jasper
10/06/2014 | O flagelo de uma época
Como já referi neste divã eletrônico, a tristeza é ingrediente cotidiano na vida do repórter. A isso, muitas vezes, se misturam outros sentimentos, como a revolta diante de injustiças e o descaso de quem deveria punir comportamentos letais. Nos anos 90, o uso de agrotóxicos era generalizado no Brasil. Havia pouca informação disponívei, inexistia fiscalização, os abusos ocorriam em todos os cantos do país.
O emprego de defensivos proscritos na Europa era prática recorrente. Ambientalistas que ousavam denunciar estes crimes eram ridicularizados, embora simultaneamente proliferassem notícias de mortes, suicídios e ocorrência de malformações em animais e seres humanos contaminados.
A partir de uma série de informações recebidas de diversos municípios gaúchos, resolvi propor uma pauta do tipo camicase para a época. Uma obstinada enfermeira de Passo Fundo foi minha principal fonte. Por anos a fio ela registrou, catalogou e fotografou casos de agricultores internados em um dos hospitais da cidade. Todos apresentavam sintomas graves de intoxicação por veneno. Inúmeros culminaram com morte.
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Fui ao encontro dela. Não foi difícil convencê-la a fornecer o material coletado. Em fichas, havia nomes, endereços e fotografias. Eram imagens aterrorizantes! Alguns seres humanos pareciam monstros, vitimados por hidrocefalia, amputação de membros, cegueira, incapacidade de locomoção e outras consequências graves.
Em Rio Grande, peixes com formatos estranhos nasciam em cursos d’água perto das indústrias de fertilizantes. Pesquisadores ligados às universidades acompanharam estarrecidos, por muitos anos, a proliferação de espécies geneticamente alteradas resultante da exposição ao veneno despejados sem dó em rios, açudes e arroios.
Na região do fumo, a incidência de casos de suicídio chamou a atenção da Organização Mundial da Saúde, que enviou especialistas para analisar os dados coletados em unidades de saúde. O manuseio indevido de agrotóxicos, somado à reutilização de embalagens, seria responsável pelo envenenamento de milhares de agricultores que desenvolveram alterações neurológicas.
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As reportagens eram sempre seguidas de desmentidos. De autoridades sanitárias do Estado, dos municípios citados e por representantes das empresas.
Perdi o contato com a enfermeira passo-fundense, de origem italiana, indignada com o envenenamento em massa na região norte do Estado. Aos poucos se instalou a consciência de que era preciso dar um basta à contaminação impune. O despejo indiscriminado do lixo tóxico proibido no Primeiro Mundo, livremente empregado em terras gaúchas, ganhou manchetes nacionais.
Hoje parece inacreditável que milhares de trabalhadores - homens, mulheres e até crianças - tenham sido contaminados diante da imobilidade de quem deveria fiscalizar e punir. O uso de equipamentos de proteção era ridicularizado. Quem denunciasse era taxado de lunático. Mas graças a estes “alarmistas” e à determinação de inúmeros profissionais de imprensa vivemos tempos mais civilizados.
Talvez ainda não seja o ideal, mas estamos distantes das barbaridades comuns daquele tempo onde viandas de comida ao lado de embalagens plásticos do mais letal veneno
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