Álvaro L. Teixeira


18/10/2010 | Prazeres!

No início de 2003, fiquei 25 dias hospitalizado após o acidente que sofri. O dia em que voltei para casa foi inesquecível. Lembro-me dos detalhes como se fosse hoje. Eu acordei ansioso, pois aquele era o dia da minha “alta” depois de cinco cirurgias.

Mas as coisas não foram nada fáceis, a começar no hospital. As mais corriqueiras, como comer, dormir, ir ao banheiro, tomar banho, não eram fáceis de fazer.

Para comer, eu precisava de ajuda para sentar na cama, pois com a perna esquerda e a mão esquerda imobilizadas não conseguia sentar sozinho. Para dormir, tinha problemas, com dores no corpo, talvez pelas cirurgias ou pelo excesso de tempo deitado. A medicação da noite, levada pela enfermeira depois que o horário de visitas havia encerrado, aliviavam a dor e permitiam que eu pudesse dormir um pouco melhor.

Ir ao banheiro era um caso à parte. Eu estava com a perna esquerda imobilizada, sem poder dobrá-la. Além disso, toda vez que abaixava a perna, a circulação aumentava abaixo do joelho e a dor ficava insuportável. Imaginem ir ao banheiro e sentar com a perna esticada e para cima. Claro que eu não fazia isso sozinho, sempre precisava de alguém para poder começar a atividade e para poder encerrar a atividade. Nessas horas, perdemos todas as vergonhas, os enfermeiros e enfermeiras dos quatro turnos de seis horas já me conheciam nessa intimidade.

E o banho era outro problema. Tomar banho sentado com a perna e a mão ensacadas não é muito fácil, precisamos de ajuda.

Lembro que meu sonho na época era poder tomar um banho sozinho e em pé, sem depender de ninguém. O processo todo levava mais de hora. A sorte é que era só um banho por dia. Tudo começava depois das dez horas da manhã com a chegada da enfermeira ou enfermeiro escolhido para a tarefa. No caso do banho, só o turno da manhã tinha esse privilégio. O escolhido chegava com toalhas, cadeira de rodas, banco plástico e mais uma parafernália de apetrechos destinados ao evento próximo. Depois de uma hora e a sensação de ter participado da maratona em uma olimpíada, eu voltava para a cama, exausto e com dor.

Aquele dia seria diferente, depois do café da manhã, da ida ao banheiro e do banho que consumiam metade do meu dia, eu iria para casa. Claro que ainda com a perna imobilizada e com a mão com os grampos e pulso enfaixado. Não esqueço a sensação do contato com o sol depois de quase um mês. Os raios pareciam acariciar a minha pele, e eu não sabia o que fazer para curtir aquela visão do mundo do qual eu fazia parte, mas estava afastado: as ruas, as pessoas, os carros, o barulho da cidade. Tudo parecia ter um significado especial para mim. Cheguei em casa com dor no pescoço, pois queria olhar para todos os lados ao mesmo tempo.

Eu sempre ouvi dizer que devemos dar valor às pequenas coisas para melhor aproveitar a vida, mas sou obrigado a confessar que, depois daquele dia, as coisas simples passaram a ter um valor muito especial. Eu consigo curtir o levantar, o deitar, o sentir sono. Todos os dias quando estou em pé no chuveiro, acho aquele momento único e maravilhoso. A lua passou a ter uma importância diferente na minha vida. O sol parece um aliado, às vezes não consigo acreditar que precisamos de protetor para poder curti-lo.

As coisas passaram a fazer parte da vida e a atenção que dou a elas, apesar do pouco tempo, é intensa. Depois daquele dia, sinto como se estivesse em sintonia com a natureza e com o mundo que nos cerca... Seria muito bom se todos pudessem valorizar essas pequenas coisas que estão a nossa disposição todos os dias e que podem nos dar prazer sem pedir nada em troca.

 

Publicado originalmente em 20/10/2008


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