Álvaro L. Teixeira


14/03/2016 | Ganância

Parece que foi ontem, mas eu tinha apenas 20 anos. Nem era considerado maior. Ainda dependia 100% dos meus pais. Quando precisava preencher algum formulário no campo destinado à profissão, eu colocava “estudante”. Morava durante o ano letivo em Porto Alegre e nas férias, em Bagé. Fui à capital gaúcha acompanhado de minha mãe para fazer a matrícula para o próximo ano da faculdade. Na volta, o Chevette estragou na BR 153. Eu e minha mãe chegamos a Bagé em um caminhão carregado de bananas. Foi a carona noturna que conseguimos. Na manhã do dia seguinte, buscamos o carro que ficou na oficina autorizada.

Na noite deste mesmo dia, recebi um convite inusitado. Um conterrâneo, que até aquele dia fazia parte da lista de conhecidos, passou a fazer parte da lista de amigos. Ele não tinha carro e queria passar o fim de semana no Uruguai para se reconciliar com a namorada que estava no país vizinho. Aleguei não ter dinheiro e não poder viajar para o exterior, pois ainda não havia completado os 21 anos. Ele foi convincente, e no dia seguinte conseguiu autorização para eu viajar, tendo ele como responsável.

O dinheiro que eu tinha ficou decidido: seria para a gasolina da volta. Quando terminasse o dinheiro dele, voltaríamos para casa. Era abastecer o Chevette e voltar. Outro problema era convencer meus pais a permitir que eu fosse de carro para o exterior. Também esse empecilho foi resolvido por ele. Em visita a minha casa, fez convite oficial para eu ir com ele caçar nos paredões do rio Valente. Meus pais permitiram, e sexta-feira à noite partimos em direção à fazenda que ficava naquele local, pois precisávamos da barraca que lá estava para baixar o custo da estadia no Uruguai. Ainda hoje, tenho vontade de conhecer os famosos paredões do rio Valente.

Chegamos ao Uruguai na manhã de sábado.

Dormimos na praia e pela manhã encontrei minha tia, que por lá passeava e a quem implorei que nada dissesse aos meus pais, pois afinal de contas eu estava na fazenda. À noite, o meu amigo me emprestou dinheiro para jogarmos no cassino. Eu pagaria, se perdesse, na volta para casa. Acabei ganhando, sorte de principiante. Paguei a ele e guardei o dinheiro para o dia seguinte. Acabamos repetindo a façanha durante quinze dias. Quando tínhamos o dinheiro para o camping e para a alimentação do dia seguinte, parávamos de jogar e íamos curtir as delícias de Piriápolis ou Punta Del Este. Os dois lugares onde mais ficamos nesses dias.

Algumas vezes, precisávamos ganhar mais um pouco para a gasolina do Chevette. Nunca fui muito do jogo e não tinha paciência para ficar muito tempo na roleta. Todas as noites, começávamos ganhando, e quando a sorte mudava, desistíamos. No outro dia, tudo se repetia. O meu amigo tinha um amor especial pelo número 8 preto. Um dia, havia uma festa e chegamos ao cassino logo quando abriu. O encarregado da roleta já nos conhecia. E perguntou:

– Brasileiro de sorte, qual número vai dar?

– Oito preto – respondi.

E joguei toda a cota do dia no 8. Ele jogou a bolinha na roleta só para nós. Aquele parecia nosso dia de sorte, pois o número que deu foi o oito. Recebemos 36 vezes a cota de jogo do dia. Meu amigo me convenceu a jogarmos punto-e-banca, 21, ou black Jack. Todos os nomes para o mesmo jogo, quem fizesse mais perto de 21 é quem ganhava. E todo mundo jogava contra a banca.

Ganhamos seis vezes e íamos dobrando a aposta, isto é, tudo que ganhávamos apostávamos na próxima vez. Na terceira vez, eu já queria desistir, pois achava que era muito dinheiro. Calcule, a cota diária era de 20 dólares. Multiplicado por 36 na roleta e dobrando três vezes. Meu amigo é muito convincente. Já tínhamos dinheiro para passar todo o verão no Uruguai. Já havíamos ganhado seis vezes. E eu ia desistir independentemente dos apelos do meu amigo. Quando eu já estava levantando da mesa, uma senhora que estava observando disse que iria jogar conosco. Colocou a mesma quantia que nós já havíamos ganhado ao lado das nossas fichas. Não tive coragem de levantar e jogamos mais uma. Perdemos.

Saímos dali e fomos desmontar a barraca e voltar para o Brasil. No dia seguinte, ao amanhecer, chegamos às nossas casas depois de 15 dias. Ainda hoje, me pergunto o que teria acontecido se a ganância não tivesse nos influenciado...


Publicado originalmente em 06/10/2008


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