Fábio B. Salvador


22/01/2016 | Por quê artistas malucos como Júpiter Maçã nos fascinam tanto

Para fechar o ano, perdemos um dos maiores artistas gaúchos de todos os tempos. Flávio Basso, o Júpiter Maçã, era incrível, e suas músicas ficarão para sempre no imaginário do rock riograndense.

Mas este artigo não é unicamente sobre ele. É sobre o tipo de arte que ele fazia. Me acompanhem.

Se observarmos bem, as bandas e músicos de grande sucesso, aqueles que arrastam multidões e estão sempre na TV dando entrevistas e cantando em programas de auditório, acabam entrando para um esquema bastante comercial de operação.

Por exemplo, são músicos que raramente compõem o que tocam. Suas músicas são compostas por uma equipe, duas, três ou mais pessoas, e boladas de acordo com estudos científicos de tendências e gostos do público-alvo. Depois, são trabalhadas e finalmente gravadas. O músico, no caso, é pouco mais que um ator que canta.

Como o público espera algo do ídolo, o ídolo jamais sai da zona de conforto, para não tirar o próprio fã de sua zona de conforto. E todos são felizes assim.

O resultado disso são carreiras nas quais não há experimentação. A estrela canta músicas de um mesmo ritmo, que só modifica-se porque os produtores notaram uma alteração do gosto do público. Fica tudo muito uniforme, muito estudado. Toca nas rádios e fatura milhões. É ótimo, geralmente é dançante, tem um foco definido.

Fora disso, longe, “do outro lado do rio e do planeta”, temos Júpiter Maçã, Rogério Skylab, e mais milhares de artistas que estão no underground.

Estes artistas “do lado de cá” são fascinantes para uma parte do público. Nunca para multidões imensas, mas para um público fiel. Por quê? Porque eles fazem música, principalmente, para si mesmos.

Não estou aqui pregando nenhuma “lição de moral” sobre os males do comercialismo. Não. Estou apenas apontando um caminho possível.

Se fosse pela lógica comercial, o senhor Basso teria passado sua vida toda tocando rocks adolescentes ao estilo do TNT ou dos Cascavelletes. Afinal, seu público-alvo já havia demonstrado gostar de suas canções nesse estilo. E aí, não teríamos composições inusitadas como “Miss Lexotan 6mg”, ou “A marchinha psicótica de Dr. Soup”. Talvez nem “Beatle George”. “Walter Victor” talvez tivesse saído, mas não com a letra que saiu.

O outro cara que citei, o carioca Rogério Skylab, canta músicas absolutamente chocantes sobre coisas geralmente horríveis, como “Matador de passarinhos”, “Motosserra” ou “Convento das Carmelitas”. Faz letras abertamente focadas em chocar (“Jesus”). Ou doideiras com narração como “Carrocinha de cachorro quente”. Em um mesmo disco, dificilmente três canções são em ritmos parecidos.

Wander Wildner, outra cria da explosão do rock gaúcho dos anos 80, fez sua fama nos Replicantes, cantando (gritando) punk rock. Sua carreira, depois, tem umas músicas que mais parecem sertanejo, misturadas a pauladas pesadíssimas e algumas melodias suaves (“Refrões”, por exemplo). Canções em portunhol. Esquisitices como “Eu queria morar em Beverly Hills”.

Existem muitos outros, não quero fazer uma lista.

Resolvi citar Skylab e Júpiter por uma razão em especial: os dois incorporam a performance artística inclusive em suas personalidades públicas.

Rogério Skylab anunciou que faria 10 CDs com o nome “Skylab”, com aquele tipo de música cheia de palavrões e escatologia, e depois abandonaria esta “personalidade”, passando a outra.

Flávio Basso não estabeleceu datas. Simplesmente usava o nome Júpiter Maçã em seus álbuns mais “acessíveis”, e Júpiter Apple para cantar em inglês, normalmente álbuns com mais psicodelia e experimentação (menos palatáveis ao gosto comum). Era como se fossem músicos levemente diferentes. E diferentes também de Flávio, o menino do TNT e dos Cascavelletes.

Para fazer este tipo de coisa, é preciso ter uma dose cavalar de genialidade, e outra de loucura.

São artistas que inventam suas músicas, tiradas de suas “viagens” mentais, fantasias, frustrações e maluquices. Talvez isso é que seja o legal. Isso os torna interessantes, instigantes. A gente nunca sabe o que eles podem aprontar em seguida.

O cara está ali, viajando na loucura dele, e por alguma razão ela combina com a minha loucura, com a sua, e então nós ficamos ouvindo e viajando juntos.

É o cara fazendo sua doideira e nos levando junto. Nos tirando, muitas vezes, da zona de conforto.

É algo que resgata o espírito básico do fazer música, do escrever: é o artista, essa pessoa interessante e com um olhar inusitado sobre as coisas, expressando-se através de sua obra.

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Ainda sobre Flávio Basso:

“...Onde foi parar

Aquele menino

Que queria cantar

Como o Beatle George...”

Adeus e obrigado por tudo.


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