Fábio B. Salvador


12/04/2018 | Sobre os perigos de se eleger postes

Ciro Gomes não foi ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC prestar solidariedade a Lula. A atitude foi recebida com indignação por muitos petistas – afinal, o novo “pai dos pobres” carregou o ex-ministro nos braços como a um filho. “Quanta ingratidão”, bradam, esquecendo que, depois de viabilizar e incensar Ciro, Luis Inácio o escanteou, colocando Dilma na reta para a Presidência.

O que foi uma burrice, claro: se o senhor Gomes fosse hoje o presidente do Brasil, muito provavelmente não teríamos passado pelo impeachment, e é bem provável que essa epopéia da prisão jamais acontecesse.

Acontece que Lula elegeu um poste.

Não quero aqui ser desrespeitoso com a ex-presidenta que, com certeza, tem seus méritos e áreas de competência (ou não teria chegado até onde chegou), mas a atuação política “linha de frente” com certeza não é um de seus dotes. Ela discursa mal, articula mal, transita mal.

Dilma, no começo do primeiro governo, ensaiou uma tentativa de firmar-se como uma figura política de vida própria. Não deu certo, e Lula e sua turma acabaram encarregados de reconstruir as pontes com a base, os parlamentares, a militância e os movimentos.

Ao escolher como sucessora alguém cujo brilho jamais deixasse de ser mero reflexo do seu, o ex-presidente garantiu a permanência de sua figura sob os holofotes. Mas deixou um flanco aberto. Bastou uma ofensiva bem articulada dos adversários para demonstrar isso.

Um Dutra para chamar de seu

Eleger postes não é, nem de longe, uma má estratégia. Ela funciona muito bem em ambientes menores, como prefeituras de interior. Há cidades nas quais um mesmo prefeito governa, de fato, por décadas, alternando o próprio nome nas urnas com o de aliados sem brilho, que no governo acabam servindo mais como “avatares” do verdadeiro chefe.

O problema é que, quando caem, os postes costumam tombar por cima de quem os instalou.

Paulo Maluf, por exemplo, após passar décadas com a fama de “rouba, mas faz” sem ser tocado, começou a viver um processo de desabamento político com as trapalhadas e o rompimento com Celso Pitta, plantado por ele na Prefeitura de São Paulo.

Getúlio Vargas talvez tenha sido o único caso, até hoje, de uma manobra bem-sucedida envolvendo um poste presidencial: ao ajudar Eurico Gaspar Dutra nas eleições de 1945, o “pai dos pobres” original certamente sabia da lentidão de raciocínio, das dificuldades de fala e da falta absoluta de jogo de cintura do general. O fracasso (de público e crítica) do governo Dutra ajudou a volta do próprio Vargas à Presidência em 1950.

Talvez, ao escolher Dilma ao invés de Ciro em 2010, Lula tenha visto nela um novo Dutra – completo, com a dificuldade para discursar e tudo – um Dutra para chamar de seu. Só não calculou que os Carlos Lacerdas atuais fossem tantos, tão unidos e tão fortes.


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