Erner Machado
10/01/2012 | Tragédia Urbana
Há algum tempo atrás numa sexta feira, ao cair da tarde, quando em Petrópolis o sol já está se despedindo, atrás dos grandes edifícios da Protásio Alves, eu estava dando a volta, rotineira, com o Elvis, meu labrador, quando vi um fato inusitado.
Sobre a calçada da confluência da Protásio Alves, com a Vicente da Fontoura estava parada uma carroça com um grande carregamento de sacos de lixo que transbordavam os seus limites e se projetavam, para os lados, para trás e para cima. Atrelado a ela estava um cavalo zaino. Notei que a peiteira que segura os braços da carroça ao corpo do cavalo, pelo peso, estava puxada para cima pressionando a parte após o abdômen do cavalo, o que certamente estava-o deixando sem respirar. O Carroceiro não se encontrava no local. Muitos pedestres, estavam ali, na expectativa de ver o que ia acontecer. Três Agentes Municipais de Trânsito atendiam a ocorrência. Tranqüilamente, em frente a uma banca de revista, um bêbado dormia, tapado com um cobertor, que lhe deixava os pés de fora.....!
Eis que de repente, aparece, um homem, baixo, entroncado, carregando uma enorme quantidade de madeira. Afasta a multidão, afasta os pés do bêbado que continuou dormindo, e atira a madeira em cima dos sacos de lixo. Amarrou-a com uma corda o que deixou, a carga, ainda mais alta.
Os populares, que se encontravam aglomerados, largaram impropérios ao dono da carroça, tentando mostrar-lhe que o cavalo não ia conseguir sair do lugar onde estava até mesmo por que, naquele lugar, existe uma lomba que se projeta até o meio da Felipe de Oliveira, na confluência com a dona Eugênia. Vi uma moça xingar muito o homem e se agarrar imprudente, mas de maneira audaz e valente ao pescoço do cavalo, na tentativa de impedir que ele se movimentasse.
Não adiantou. O dono da carroça, pegou o animal pelas rédeas e começou a fazer um giro com a finalidade de deixar a carroça virada para a parte de baixo da Vicente da Fontoura, ficando, assim em posição de descida. Os protestos dos populares que, agora, já eram duas dezenas, se faziam ouvir com xingamentos e com pedidos de que ele cuidasse do animal, que não expusesse a tortura do excesso de peso, ao que o homem respondia que com a carroça e com o cavalo ele ganhava o sustendo de seus quatros filhos. Uma senhora que tem um Instituto de beleza, em frente a Banca e mais outras em coro, gritavam: Puxa tu a carroça animal. Se o cavalo sustenta os teus filhos, cuida dele desgraçado. Os xingamentos continuavam e homem continuava tentando fazer o cavalo dar meia volta e ficar em direção a Protásio Alves, o que possibilitaria, na sua opinião, a movimentação da carroça, na descida.
O Cavalo, exausto e com nítida falta de ar e totalmente estafado, para usar um termo da campanha, frouxou as pernas e se projetou de cabeça contra as paredes da banca de revistas e se quedou com pescoço para cima e com corpo para baixo.
Cruel quadro, para quem conhece homens e cavalos! Alguém trouxe uma tesoura e uma faca e cortou o peiteira e os tirantes que prendiam o animal à carroça. Veio alguém com um balde de água e ofereceu ao animal que não conseguiu tomá-la. Respirava com dificuldades. Independente disto, o homem tentava levantá-lo fazendo uma alavanca com seu joelho direito pressionando-o contra os encontros do animal. As mulheres acariciavam, a cabeça e o pescoço do cavalo. Algumas, nesta altura já estavam lavadas em lágrimas. E o homem não desistia e o cavalo não levantava...
Eu conseguia me manter calmo, ainda. Costumo ficar assim, nestas situações. Mas lá no fundo de minhas lembranças, enquanto os populares e os Azuizinhos esvaziavam a carroça, me viam imagens dos homens e dos cavalos da Pampa. Com seus portes e com suas magníficas estampas que moldaram o ícone do Centauro Gaúcho. Tudo isto contrastando com a miserável cena que eu via, agora, em que cavalo e homem se transformavam na mais cruel fotografia da degradação e da miséria. Ambos, juntos, construíram pátrias. Agora, juntos, se prestavam para uma cena degradante.
Segurei meu Cachorro mais perto do meu corpo e com um olhar que às vezes tenho, ordenei ao homem que deixasse o cavalo. Nossos olhares se encontraram e nos medimos, à distancia de dois metros, mais ou menos. O homem tinha mão direita um relho e eu tinha como arma o meu cachorro. Um lampejo de raiva brilhou nos olhos do pobre homem e eu repeti : Solta o cavalo ! Um silêncio pesado tomou conta da plateia. O meu interlocutor e eu estudávamos a atitude a tomar. Na terceira Vez, com vós e corpo encurtei mais a distancia que existia entre nós e nos miramos mais de perto. Definitivamente. Depois não sabíamos o aconteceria. O homem continuou me olhando e soltou o cavalo cujo corpo, novamente, se projetou contra a parede da Banca da revista. Ambos recuamos. O homem com o relho na mão e eu com o meu cachorro colado ao corpo. O murmurinho se restabeleceu e agora, com a carroça já esvaziada o cavalo aceitou a água que lhe ofereciam.
Os Agentes de trânsito chamaram o DMLU, Chamaram a Brigada Militar, O Batalhão Ambiental. Pessoas, desesperadas, ligavam para o 190, solicitando que viessem retirar o Cavalo. Chegou uma informação que para isto era necessário que o Veterinário da Brigada Militar examinasse o animal. Como já era fim expediente ele já tinha deixado a Unidade.
O Cavalo, finalmente, livre do peso e já respirando mais aliviado reuniu suas últimas forças e consegui ficar com a cabeça levantada e com as ancas no chão.
Vi que a situação ia tomando controle. Que breve chegaria o DMLU e levaria o cavalo para um lugar apropriado. Meu cachorro, ao meu lado, também, já dava sinais de tranquilidade e compreendemos que era hora de sair do local.
E, assim, fui deixando a Vicente da Fontoura rumo a minha casa, quando já eram quase oito horas da noite...!
Mais tarde meu filho, passou pelo local e me disse que o cavalo tinha sido levado para um local da Prefeitura, onde receberia medicamentos e descanso.
A carroça e o lixo tinham sido rebocados por outro carroceiro que foi chamado pelo Celular. O homem, certamente, estava bem...
Isto me deu uma certa tranquilidade. Um certo bem estar. Mas não me foge da memória a cena do cavalo e do homem que compõem o quadro degradante a que chegou meu Rio Grande.
Neste quadro estão contidos os nossos homens e seus cavalos, que um dia juntos correram pelas coxilhas de nosso pago em, apartes de rodeios, cargas de lança ou em carreiras de canchas retas e hoje ,da mesma forma juntos, conduzem estas malditas carroças em que pobres e miseráveis homens e cavalos, juntam o lixo que sobra das residências mais abastadas para vendê-lo e com o seu produto matarem a fome de seus famintos filhos que, geridos nas vilas de Porto Alegre, preparam-se para seguir, no futuro, caminhos mais dolorosos do que os que seus pais trilham, agora. É possível que não tenham cavalos mesmo que famintos, estafados, magros e doentes, para ajudá-los nos seus misteres...
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