Erner Machado
22/12/2015 | Posteiro
Num fogo de chão, aquece uma cambona, para o chimarrão do fim de tarde e numa panela de ferro, preta e cascorrenta, prepara um carreteiro, com pouco charque, que será a sua janta e o seu café da manhã... se sobrar.
Entremeia goles de mate com grandes baforadas do palheiro que se confundem com a fumaça de algum pau verde queimando. O pensamento, de rédeas soltas, numa ciranda de imagens, sai do presente visita o passado, seu velho conhecido e, se projeta para o futuro, nebuloso, como as nuvens que tomam conta daquele canto do Galpão.
Nasceu naquelas terras da fazenda da Fortaleza, onde seu pai foi posteiro. Num rancho barreado viu a luz do dia e num pátio junto com as galinhas, os cachorros, os porcos e um borrego guacho, deu os seus primeiros passos e quebrou os “vidros” que se formavam nos côchos em que as galinhas bebem água, quando nas invernias, caem geadas fortes.
Foi crescendo como guri de campanha sem tempo de ter brinquedos a não ser algum gado de osso. Antes dos dez anos, já sabia encilhar cavalos, laçar ovelha na porteira da mangueira, tirar leite e a fazer alguma lida caseira, ajudando a mãe pois, isto, também, fazia parte da formação de um campeiro.
Não aprendeu a ler. Isto era coisa para os filhos dos patrões e, ele, era apenas filho de um peão posteiro... Mas de campo aprendeu tudo... Ginetear e domar cavalos, laçar, pialar, apartar, capar, esquilar a martelo, curar bicheiras, fazer cercas de pedra e de arame, lavrar a terra e plantar milho, batata doce e mandioca.
Era silencioso na presença dos mais velhos e tinha aprendido a cumprimentar a todos, de maneira respeitosa guardando a distância tão características dos homens do campo. Aos quinze anos estava pronto para ser, igual ao pai, um peão de estância.
E foi o que aconteceu. Escreveu, no livro da vida, as histórias singulares que acontecem no dia a dia de um homem da pampa. Miles de cavalos, de todos os pelos, passaram pela sua mão e viraram pingos de lei. Nas planícies e nas coxilhas as patas de seus cavalos deixaram marcas de gauchadas que eram faladas por todos.
Num aparte de rodeio era o que buscava os touros alçados que insistiam em refugar o sinuelo mas que não resistiam as paleteadas dos fletes que ele montava...
Os anos se passaram e seus pais morreram e ele ficou, ali no mesmo rancho, solitário como um pé de pitangueira que teima em nascer e crescer na imensidão da pampa. Não tinha mais pais e a vida não lhe deu irmãos. Não tem mulher, pois era excessivamente encabulado para, quando jovem, levantar os olhos para alguma moça...
E assim o seu único companheiro, agora, que já está velho é um cusco baio, que mostra os destes a quem dele se aproxima. É o seu único bem pois, os cavalos que encilha, a vaca da qual tira leite, as ovelhas das quais mata uma por mês, para subsistir, são da estância.
De seu mesmo, somente o Cusco e amplidão do céu imenso que , de dia, lhe encanta com a luz do sol e de noite lhe brinda com o brilho das estrelas e com o clarão da lua...
De vícios só o palheiro e o chimarrão...
E vai tomando mates, pitando palheiros e cuidando a panela. A noite é longa e a cama de pelegos é dura. Quanto menos dormir e mais cedo levantar melhor. Um dia descansará quando então poderá dormir, tranquilamente, sob a terra que o acolherá, protegido das invernias e dos mormaços.
Sua estância estará no céu e será marcada na terra por uma cruz de madeira bruta.
O seu nome, se alguém escrever, será apagado pelos anos e ele irá encilhar e montar os pingos das alturas, no eterno rodeios dos tempos....
Compartilhe
- Dia de Santa Adelaide
- Dia de São José Moscati
- Dia do Butantã
- Dia do Reservista
- Dia do Síndico - Porto Alegre
- Dia do Teatro Amador
![img](http://45.7.168.149//temas/site/assets/img/img-ad.png)