Erner Machado
24/01/2012 | TEXTO PARA UM GRANDE HOMEM
Somos sete irmãos do casamento da Zeli Izaguirry de Freitas com o Napoleão Menini Machado. Quatro homens e três mulheres. Existem mais dois filhos do seu Napoleão, fora do casamento, que se chamam José e Irene, esta última, conhecemos no dia 27.10.2007. Ambos não foram criados por suas mães naturais.
Podemos dizer que quando os netos e bisnetos foram chegando, a família da dona Zeli e do seu Napoleão, tornou-se uma grande família.
No dia 10.11.1986 filho da minha irmã Maria Rosa e do meu cunhado Jorge Luiz Vasconcelos, nasceu o meu sobrinho Jorge Luiz, conhecido, desde então, por Jorginho ou por GUGA. Muito mais por Guga, para os parentes e amigos.
Pois o Jorginho, no terceiro dia, após o nascimento, veio para Porto Alegre, onde no Hospital da Puc, os médicos declararam que ele nasceu com Hidrocefalia e que a cavidade do crânio era ocupada, somente, por água e os exames então realizados não apresentavam existência de cérebro. O diagnóstico era péssimo. Segundo o qual se conseguisse sobreviver, teria vida totalmente vegetativa.
Retornou para Rosário do Sul, terra natal de seus pais, os quais inconformados e incentivados pela nossa irmã Maria Celanira,madrinha do Jorginho, procuraram um médico conhecido em Santana do Livramento o qual, à vista dos exames, indicou que se colocasse uma Válvula coletora da água hidrocefálica que, saindo do cérebro, iria se diluir no trato intestinal e expelida, pela urina.
E assim foi feito. E o Jorginho foi, de vagar, crescendo, com algumas limitações físicas que lhe impediam alguns movimentos. A Maria Rosa, naquele tempo, trabalhava na farmácia Panvel. Largou o emprego, para se dedicar, unicamente, a construção da mente e do físico do seu filho. Iniciou uma prática de diálogo, permanente, com a criança que ainda não falava, mas ouvia diariamente, afirmações que lhe incutiam a idéia de perfeição, de saúde , de força, de inteligência, de perseverança e de crença nos valores inerentes à vida humana.
E assim, foi. Começou a falar, antes de completar um ano de idade. Ai, já podia ouvir da mãe as afirmações que levaria, na mente, para sempre.
A sua extrema fragilidade física, contrastava com a vivacidade natural das crianças que querem descobrir, o mundo.
Foi para o Jardim de infância, onde começou a sociabilizar-se com outras crianças de sua idade. Logo vieram os anos de alfabetização e parece que o tempo correu e quando nos demos por conta, o Jorginho, sempre acompanhado pela mãe concluiu o segundo grau, estando preparado para o vestibular. Recebemos o convite para a sua formatura para a qual nos foi impossível comparecer. Descrever a vida do Jorginho, não é possível neste texto, curto, por natureza.
Mas podemos dizer que era uma pessoa que amava a vida, com todas as suas energias e suas forças, era dono de um otimismo irreverente, de uma personalidade doce e apaziguadora, possuidor de uma inteligência privilegiada. Católico, recebia costumeiramente, do padre, a benção da saúde e orava, com muito fervor e com muita seriedade a Jesus Cristo e aos demais santos de sua devoção.
Apaixonado por carros, sabia decór modelos, anos, tipos de motor, carros esportes e carros de passeio e utilitários. Mas gostava mesmo, dos modelos mais antigos, afirmando que eram melhores e mais bonitos.
Em um dos verões que passaram em sua vida conheceu o Mar. Inebriou-se com a imensidão azul e se encantou com as ondas que vinham e iam, parecendo maretas de um açude grande.
Em uma das eleições passadas, nos falando pelo msn, lhe provoquei pedindo que votasse no Partido Tal, ao que ele me respondeu, que votaria nos homens e não nos partidos. Um grande silencio, tomou conta de minha conversa, silencio um pouco envergonhado, de minha parte. Fiz, na época, um texto sobre isto citando a sua sábia resposta.
Grandes alegrias ele dava a todos nós, quando nos comunicávamos pela internet ou quando falávamos ao telefone. Sempre otimista, sempre feliz, sempre alegre.
Até que em dia qualquer começou a ter problemas de fortes dores nas costas tão fortes e tão intensas que o levavam a ter convulsões. Seus pais pensavam que era coluna. Levado ao médico foi explicado que ele tinha crescido muito e o conduto da válvula que drena o crânio, tinha ficado pequena causando contrações em toda a extensão do seu tórax e pescoço. Origem, portanto, das terríveis dores das quais era acometido. Tinha que ser trocada, a válvula. Foi encomendada de São Paulo, e marcou-se a cirurgia. Passaria em casa durante duas semanas esperando a data. Já sabendo o que havia de ser feito, as dores acalmaram-se um pouco aumentando os momentos de reflexão e de diálogos com sua mãe e com seu pai.
Nestas cruciais duas semana, surge o homem que ele tinha se tornado, possuidor de uma lucidez impressionante e de uma fortaleza enormes frente a sua dor, ao seu destino, a sua vida e ao seu futuro. A sua coragem enorme lhe habilitava a falar de sua vida e a garantir para seu pai e sua mãe que faria a troca da válvula, mas que tinha certeza que não resistiria a operação. Numa das conversas, reconheceu todo o investimento de amor que a mãe e o pai tinham feito e lhes agradeceu por ter ficado quase vinte e um ano junto com eles, mas que estava cansado e que, definitivamente, iria partir. E falava isto, com uma serenidade e com uma firmeza indescritíveis, como que serenamente preparando sua mãe e seu pai, para viverem sem a sua presença.
Numa destas conversas, lembrou, para sua mãe, que no dia da cirurgia fariam três meses que o seu padrinho, o João Antônio , marido da Maria Celanira tinha morrido e que ele partiria neste dia ou nos dias seguintes.
E foi o que aconteceu. Um dia e meio após a cirurgia, recebemos um telefonema dizendo que ele havia partido.
Partiu, com tinha previsto, deixando um legado incomensurável de amor, de paz, de humildade, de bondade, de dedicação, de obstinação pela vida enquanto vida, e de longos silêncios, nos quais se encontrava consigo mesmo e, certamente, fazia uma profunda reflexão de sua existência e de suas possibilidades. De onde viera e onde chegara.
Um grande vencedor. Um grande companheiro de ouvidos abertos para confidências e para consolos. Embora toda a sua inteligência, sempre me pareceu que preferia ficar no segundo plano, característica essencial daqueles que não possuem vaidade e que não são egoístas.
Contrariando os resultados dos exames feitos há mais de vinte anos, os exames atuais mostravam que ele tinha cérebro. Talvez do tamanho de um décimo de um cérebro normal. Pequeno, é verdade, mas com um potencial de inteligência que lhe permitiu construir seu saber que era profundo e se construir como homem, com dignidade e com respeito, dedicando seu amor a si próprio, a seus pais, a seus parentes e seus amigos.
Foi enterrado, sob a água de uma forte chuva, repentina, no túmulo do seu Napoleão por quem tinha um grande carinho e muito amor.
Não chegou a completar vinte e um anos.... Seus amores foram seus pais, seus tios e primos, seus estudos, seus brinquedos, seu computador, seus carros e seus amigos.
Nunca se soube se gostou de alguma guria ,de alguma moça ou de alguma mulher.
Se, gostou, e acredito que sim, guardou este amor secreto que poderemos somente imaginar quanto grande foi e com que carinho ele cuidou, somente, para si dentro de seu coração e de sua alma.
Um Grande abraço Jorginho, ou Guga, na certeza de que onde te encontras, agora, estás orando por todos nós.
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