Erner Machado
06/05/2014 | UM SALTO NO VAZIO
Naquele final de tarde quando abriu a caixa do correio, nem pode acreditar no que havia ali dentro. Um envelope com o seu nome! Imediatamente virou-o para olhar o remetente e lá estava o nome da empresa para a qual tinha enviado um currículo, há quatro meses, exatamente um dia após ter sido despedido da corporação onde trabalhava.
Seus dedos tremiam quando abriu a correspondência e leu o conteúdo que era representado por poucas palavras e que diziam que ele deveria apresentar-se às 08:30 horas de segunda-feira para uma entrevista com vistas a avaliarem a possibilidade de admissão no cargo de Gerente Financeiro.
Um grande sorriso tomou conta de seu rosto, pois habilitações para o cargo não lhe faltam. Tinha concluído, há um ano, o curso Economia e feito uma especialização em finanças e além disto esta era a mesma função que desempenhou no seu ultimo emprego.
Só tinha um problema: Atualmente estava fazendo “bico” trabalhando como caixa de uma casa noturna cujo expediente acabava quase de manhã e, naquela hora, não tinha como conseguir alguém para o substituir.
Resolveu, então, que iria trabalhar e que sairia direto para Eldorado do Sul, onde ficava a sede da empresa. Chegaria em casa, tomaria um bom banho, colocaria o terno preto reservado para estas ocasiões e chegaria com antecipação para a entrevista.
Quis o destino que neste dia o movimento da casa noturna fosse o maior dos últimos meses e acabou fechando o caixa e entregando o dinheiro para o dono quando já eram quase sete horas. Recebeu a sua comissão e sorrindo, dirigiu-se para o estacionamento onde entrou no seu carro.
Chegou em casa às sete e trinta e foi direto para o chuveiro. Às oito horas estava pronto. Terno e gravata. Sapato lustrado pois a primeira coisa que os entrevistadores olham é para o sapato.
Dirigiu-se ao carro deu partida e saiu, pela av. Sertório com o destino ao seu novo sonho. Tinha ficado quatro meses, desempregado e só quem fica desempregado, sabe o que isto representa. Olhou para o marcador de gasolina e viu que não a tinha suficiente para chegar ao seu destino.
Encostou em um posto e pediu para o bombeiro colocar cinquenta reais. Pagou e olhou para o relógio eram oito e quinze. Saiu em disparada utilizando toda a sua perícia no transito para desviar-se dos motoristas mais lentos e alcançar a ponte do Guaíba.
Ali chegando viu grande congestionamento na pista da direita. Olhou o relógio e olhou o transito. Se conseguisse livrar-se daquela fila de carros e conseguisse passar na ponte estaria em Eldorado do Sul e faria a sua entrevista.
Gotas de suor marcavam a sua camisa azul e começavam a umedecer a gola de seu casaco, o que o deixou extremamente desconfortável. Tomou uma resolução e entrou, na ponte, na contra mão.
Quando chegasse ao fim da fila, voltaria, novamente para a direita tendo, todavia a pista livre. Pisou no acelerador e o velocímetro marcou cento e vinte. Em segundos estava no fim da fila e quando olhou para frente viu o vão da ponte elevado deixando um grande buraco entre uma extremidade e outra....
Tentou frear mas não tinha mais espaço...Lembrou-se do filme Telma e Louise em que as duas, por decisão própria, se atiram em um desfiladeiro no deserto do Colorado... mas ele não queria se atirar... ele só queria fazer uma entrevista de emprego e o transito o estava impedindo.
Nada mais havia a fazer. Firmou a direção e se lançou no espaço da ponte, direto ao rio. Sabia que pela velocidade que vinha não teria volta. Lamentou pela entrevista não feita, lamentou por seus pais e por seus irmãos, lamentou por seus amigos, lamentou pelos companheiros de “bico”, lamentou pela loira platinada com que tinha saído uma ou duas vezes e lamentando por si mesmo, mergulhou, definitivamente, nas profundezas do leito podre do Guaíba... foi abraçado pelas águas e, revoltado, se entregou ao silencio definitivo...sem volta... sem entrevista... sem pai nem mãe!
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