Erner Machado
06/08/2018 | Miguel de Unamuno Vs Millan Astray
Neste momento, a Sociedade brasileira discute a descriminalização do Aborto... Este tema se soma aos tantos desafios, caminhos, dúvidas, paradoxos e divisões que nos afligem.
Na questão do aborto estamos divididos entre o SIM À VIDA E O SIM À MORTE.
Achei, nos meus guardados, este velho texto que demonstra semelhante embate.
Passo para os meus 8 leitores com desejos de um bom sábado, na esperança que ao lê-lo possam dar o sim que os seus corações desejam e que esteja acordo com suas consciências...
Da série "Antes que me esqueça"
(Francisco Ferraz. Artigo publicado em 11.04.2016 )
Era 12 de Outubro de 1936, comemorava-se a descoberta da América por Colombo como o “dia da raça”.
Encontravam-se no grande hall da universidade várias autoridades e intelectuais. Lá estavam o bispo de Salamanca e o famoso general nacionalista Millán Astray, criador e comandante da Legião Estrangeira da Espanha, que se distinguira nas colônias africanas e depois na Espanha, por sua sanguinária crueldade com a população civil.
Millán Astray, cujo próprio nome despertava medo, era cego de um olho usava um tapa-olho, tinha apenas um braço e o outro terminava com uma mão mutilada nos dedos.
Havia uma tensão quase elétrica na solenidade. O reitor da Universidade, Miguel de Unamuno, o grande filósofo basco, símbolo da geração de 1898, conservador e humanista cristão faria o discurso principal.
Foi ali, naquele 12 de outubro de 1936, que o histórico confronto entre o intelectual, reitor, humanista e o selvagem general, que criara para seu regimento o execrável grito de guerra “Viva la muerte”, ocorreu.
Começada a cerimônia, os oradores atacaram os republicanos, o nacionalismo Basco e Catalão e, com entusiasmo, saudaram o fascismo que, segundo eles iria exterminar a ambos os nacionalismos anti falangistas.
No fundo do salão um homem gritou o lema da Legião “Viva lamuerte”. A seguir Millán Astray berrou “Espanha” e a resposta se fez ouvir “Uma”. Millán gritou novamente “Espanha” e seus simpatizantes gritaram “Grande”. por fim Millán novamente gritou “Espanha” e veio a resposta “Livre”.
Vários falangistas (franquistas) em suas camisas azuis fizeram então o gesto da saudação fascista para o retrato de Franco, que estava pendurado na parede.
Unamuno então se ergueu para encerrar a sessão dizendo:
“Todos vocês estão aguardando minhas palavras. Vocês me conhecem e sabem que eu sou incapaz de permanecer em silêncio. Há momentos em que ficar em silêncio é mentir. Pois o silêncio pode ser interpretado como aquiescência.
Eu quero então comentar o discurso – se é que pode assim ser chamado – do Prof. Maldonado. Deixemos de lado a afronta pessoal expressa na súbita explosão de vitupérios contra Bascos e Catalãos. Eu mesmo nasci em Bilbao; o bispo (Unamuno apontou para o prelado que tremia, sentado ao seu lado) queira ele ou não, é um Catalão de Barcelona.”
Millán-Astray - que odiava Unamuno - começou a gritar: «Posso falar? Posso falar?». E, em altos brados, reforçou: «A Catalunha e o País Basco são dois cânceres no corpo da nação! O fascismo, remédio da Espanha, vem para exterminá-los cortando na carne viva como um frio bisturi!». Alguém do público tornou a gritar «Viva a morte!»
Unamuno fez uma longa pausa. Caíra um silêncio apavorado. Ninguém ousara até então a fazer um discurso como este em pleno território da Espanha nacionalista.
Menos ainda na presença de um general da fama de MillánAstray.
O que o reitor diria a seguir?
“Agora mesmo ouvi um grito necrófilo e insensato, ‘Viva a morte’. Eu devo dizer-lhes que considero este esdrúxulo paradoxo repelente. O General Astray é um aleijado, que isso seja dito sem nenhum sentido pejorativo. Ele é um inválido de guerra. Cervantes também era. Infelizmente há demasiados aleijados na Espanha agora. Entristece-me pensar que o general MillánAstray venha ditar o padrão da psicologia de massas. Um aleijado que não possui a grandeza espiritual de um Cervantes acostuma-se a buscar alívio produzindo mutilados em volta dele.”
Neste momento Millán era incapaz de conter-se por mais tempo: “Mueran los intelectuales; Viva la muerte” gritou para o aplauso dos falangistas.
Unamuno continuou:
“Estamos no templo do intelecto. E nele eu sou o sumo sacerdote. São vocês que profanam esses espaços sagrados. Vocês vão vencer, por que têm mais que o necessário de força bruta. Mas vocês não convencerão. Pois para convencer é preciso persuadir. E para persuadir vocês necessitarão o que não têm: razão e justiça na luta. Eu considero fútil exortá-los para que pensem na Espanha. Eu o fiz.”
Unamuno é um símbolo do que se espera de um reitor desta sagrada instituição milenar – a Universidade. É lamentável que, não tendo meios para se defender, a Universidade dependa de suas autoridades internas para protegê-las, as quais, não poucas vezes as entregam aos poderosos de plantão.
O final da história faz justiça a Unamuno e sua visão de universidade. Terminado o discurso, os falangistas e franquistas se aproximaram da plataforma aos gritos e fazendo ameaças.
O segurança de Millán Astray apontou sua metralhadora para Unamuno. Dona Carmen de Polo Franco, esposa de Franco, aproximou-se de Unamuno e insistiu que o reitor lhe desse o braço.
Ele o fez e os dois lentamente se afastaram.
Foi o último discurso de Unamuno.
À noite foi jantar no clube de Salamanca de que era presidente. Os membros do clube ‘seus amigos’ começaram a gritar “Fora”, “traidor”. Um dos membros, falando supõe-se em nome dos demais lhe disse: “Você não devia ter vindo aqui Don Miguel. Nós lamentamos o que aconteceu hoje na Universidade, mas assim mesmo você não devia ter vindo.”
Unamuno afastou-se com seu filho. Passados alguns dias o Senado da Universidade ‘solicitou’ seu pedido de renúncia como reitor.
No último dia de 1936, dois meses depois do discurso, Miguel de Unamuno morre
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