Mafalda Orlandini
01/04/2013 | A Cadeira de Balanço da Vovó
Até chegar aos vinte anos, costumava passar quinze dias das férias de verão com minha avó paterna, Ana Mezzomo Orlandini, em Roca Sales Era uma quinzena em que eu visitava todos os parentes de meus pais. Eram filhos e netos descendentes de italianos e de alemães Era um festival de variados e ricos almoços, jantares e cafés com leite puro, acompanhados de cucas, bolos, linguiça e compotas feitas em casa.
Eu me hospedava na casa da vovó. O vovô reclamava um pouco porque não entendia eu querer tomar banho todos os dias e ele precisava encher de água a lata de vinte litros para um banho de chuveiro improvisado. Era, no entanto, uma reclamação carinhosa, pelo meu hábito diferente. O que também me dá saudades é da “verdadeira” polenta que a vovó fazia na panela de ferro e, às vezes, tostava na chapa do fogão. O macarrão era feito na hora e eu via a empregada fazer uma força danada para passá-lo naquela máquina estranha.
Mas o que mais me dá saudades e traz lembranças muito doces são minhas conversas com a vovó que esperava ansiosa os dias de minhas férias.. Íamos para a sala de visitas e eu me sentava na cadeira de balanço. Era a neta mais velha e ela dizia que eu era a única que tinha paciência de ouvir tudo que ela gostava de falar. Contava que tinha muito ciúmes do vovô. E que ele devia ter uma namorada porque não conversava mais com ela, não dava mais beijos e abraços. Eu achava muito engraçado que “com aquela idade tão avançada” uma pessoa tivesse aquela preocupação. Desconfiava que a “rival” vivia lá na barranca do rio e apontava para o provável lugar É claro que eu tentava consolá-la, que não era verdade., eram fofocas de quem não tinha nada para fazer. Eu me balançava, me balançava, escutava e olhava o rio Taquari pela janela Ela também tinha o sonho de ir à Festa da Uva em “Cassias. ”Conseguiu a façanha em 1950 e me trouxe um brochinho de acrílico com a inscrição “Festa da Uva 1950". Eu o conservo até hoje com carinho.
Em 1951, me casei, tive dois filhos, fui morar um tempo em São Paulo. Quando voltei, a vovó já havia falecido. Um belo dia, meu irmão chegou com a cadeira de balanço amarrada em cima do carro. A avó querida recomendara que não esquecessem que a cadeira era para mim.
A sala de jantar da vovó era um luxo para aquela época. Havia uma cristaleira cheia de copos e outras quinquilharias. Lembro bem das inúmeras almofadas e guardanapos de crochê que se espalhavam pela sala. Dando um salto no tempo, em 2012, vamos encontrar a cadeira centenária em um local muito diferente, em um apartamento na Bela Vista, em Porto Alegre. Desde que tive que morar num minúsculo apartamento, meu filho e minha nora são os “guardiões” dela. Está numa sala com decoração contemporânea, ampla, três ambientes, tapetes fofinhos, lustres de cristal, quadros e objetos de arte. Minha nora é decoradora, e a colocou num lugar de destaque. Assim a cadeira participou do último e festivo Natal. Presentes quatro gerações da família, incluindo meus bisnetos, Pedro e João. Ela tem um século, está perfeita, não sofreu nenhuma restauração enquanto viu passar a vida de seis gerações de nossa família.
Muito que o homem faz e constrói atravessa séculos incólume; as pessoas são mais frágeis. Vivem, geram descendentes e partem. Deixam só lembranças e muitas saudades. O tempo passa, a vida vai e vem, vai e vem, balança, balança como a cadeira da vovó.
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