Mafalda Orlandini


14/07/2014 | Marinez, uma filha do coração

Eu ficara viúva e começara a trabalhar no Colégio Rosário em 1971. Na sala dos professores, falei que estava procurando uma pessoa para morar comigo e me ajudar no trabalho da casa. Para minha surpresa, uma colega disse que tinha uma moça, parente sua, que queria estudar em Porto Alegre. Fiquei interessada e pedi mais detalhes. Então ficou combinado que a mãe da jovem viria falar comigo nos próximos dias. Eu não imaginava que uma simples coincidência estava me colocando em contato com uma pessoa que seria uma amiga pelo resto da vida, uma filha do coração.

No dia combinado, ela chegou em meu apartamento acompanhada da mãe. Era uma senhora muito séria, de pouca conversa e expôs suas condições: salário mínimo, carteira assinada, contribuição INPS, continuar estudando e não sair à noite. Tudo acertado, mas eu disse que seria difícil conseguir colégio ao dia porque a mocinha já estava com dezessete anos. Não foi tão difícil assim, pois eu era vice-diretora do Colégio Santos Dumont na Vila Assunção e consegui uma vaga. Na semana seguinte, ela já estava matriculada na 7ª série e indo ao Colégio à tarde em minha companhia.

Era uma época difícil, de inflação alta e eu trabalhava pela manhã, à tarde e à noite para equilibrar as finanças e preencher a falta do marido que ainda doía muito. Marinez logo se revelou uma moça responsável, companheira e tudo foi dando certo até que um fato inusitado aconteceu. Eu morava em um segundo andar de um prédio ali defronte ao estádio do Internacional. A Marinez ocupava as dependências de empregada que eram excepcionalmente grandes e ficavam mais independentes. Havia uma distância razoável entre o meu dormitório e o dela. Isso tudo explica que um maníaco invadiu o apartamento, chaveou a porta da cozinha e esteve ameaçando-a durante a noite e eu não ouvi nada. Só acordei quando ela, aos prantos e vermelha como um pimentão, chegou ao meu quarto dizendo que um homem invadira as dependências de serviço e a torturara.

Primeiro, pensei que fosse um pesadelo e fui verificar. Ele havia comido duas bananas e bagunçara tudo. Contou-me que ele fizera inúmeras ameaças com palavras e tapas. Quando perguntou se ela era virgem, ela pensou e disse que não. Então ele pegou a máquina fotográfica dela, afirmou que ia embora porque só queria virgens. Como o estrago parava por aí, resolvemos não ir à polícia, nem contar para a mãe dela para evitar maiores problemas. Mas não deu outra. Ela não resistiu e, quando foi em casa, relatou a aventura à mãe. Na segunda-feira, chegou com a dona Ana para levá-la de volta.

Depois de muita conversa e promessas, convencemos a mãe a deixá-la por mais um tempo. A Marinez queria muito estudar e, se aceitasse a imposição da mãe, perderia a oportunidade de seguir os estudos, seu maior desejo. Tudo acertado, completou as séries que faltavam no primeiro grau, passou para o Julinho, e fez vestibular na PUC nos anos seguintes.

Acho que se passaram uns seis ou sete anos. Era época de inflação alta. E passamos anos, às vezes, momentos difíceis. No que ela mais me ajudou foi a cuidar dos meus netos que passavam temporadas comigo. Os pais haviam se separado. Como não tenho nenhuma foto deles com ela, lembro, através desta foto, como eles eram na época.


Eduardo, Milena e Fernando, em meu apartamento no
Edifício Villa del Fiume, na av. Padre Cacique

De tempos em tempos, íamos passar uns dias na casa dos pais dela. Eu sempre me impressionava com o trabalho deles. Faziam de tudo, plantavam tudo que a terra aceitava e tinham uma mesa sempre farta. Criavam porcos, galinhas, caçavam, pescavam, plantavam soja, tinham uma horta bem sortida. Uma vez me disseram que só compravam sal e açúcar branco porque só faziam  o mascavo. Não é preciso dizer que voltava sempre de Cachoeira com o porta-malas cheio de coisas que comprava ou ganhava.


Aniversário da dona Ana na granja da família Garlet em Cachoeira do Sul

Se fosse contar a vida da Marinez, teria que escrever um livro. Só sei que ela "matou um leão por dia" e, mesmo quando ela foi trabalhar com a comunidade Kaingang, continuamo-nos encontrando de tempos em tempos. O que eu faço questão de ressaltar é o orgulho que senti ao receber o convite para assistir a Defesa Pública de Mestrado, em 26 de março de 2010 da Mestranda Marinez Garlet. Foi muita emoção acompanhar a apresentação daquela menina tímida que eu recebera na adolescência e agora estava defendendo uma tese em Mestrado. Como trabalhara durante anos com seu irmão Ivori com a comunidade Kaingang teve material para um trabalho verdadeiro, vivido ao lado deles e muito bem fundamentado: ‘Entre Cestos e Colares, Faróis e Parabrisas” (crianças Kaingang em meio urbano). Foi uma exposição clara e muito bem apresentada. Foi fácil compreender e avaliar o que é a vida desse povo sofrido. Recebeu o conceito máximo, sem dúvida. Foi mais tocante ainda, porque o cacique participou com vários indiozinhos que acompanharam muito atentos.

Ela é uma filha do coração, mas sempre me chamou e chama de tia. Além de uma inesquecível amizade, guardo por ela uma grande admiração por sua luta em alcançar seus objetivos. Só não consigo entender por que ela não obteve ainda um trabalho que a realize profissional e financeiramente como Assistente Social. Às vezes, penso que é pela sua profissão que idealiza consertar os desajustes sociais e isso incomoda muita gente grande. Mas, um dia, ela irá conquistar a felicidade plena e o seu merecido lugar na sociedade. É o que desejo do fundo do coração.


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