Mafalda Orlandini
19/08/2013 | A Violência contra a Mulher
Quando comecei a escrever crônicas, fiz o propósito de não escrever coisas desagradáveis, más lembranças. Preciso fazer uma exceção. Faz dois anos, desde que fiquei doente, que tenho a mesma acompanhante nos fins de semana. Nunca comentamos detalhes de sua vida de antes de ser minha acompanhante.
Faz um mês que morreu o ex-marido dela. Perguntei-lhe se fora ao enterro. Respondeu que fora apenas ao velório, em respeito aos filhos. Vi rancor na resposta dela e questionei se era tanta a raiva dele. Qual não foi a minha surpresa, quando me disse que fora maltratada por vinte anos. Ouvi uma história inacreditável: apanhar durante anos, aguentar e ainda ter quatro filhos com um torturador.
Nasceu no interior, numa localidade chamada Socorro em uma família muito pobre e humilde Teve três irmãos que morreram de sarampo um atrás do outro. Ficou só ela, com nove anos, o pai e a mãe. Seus pais tiveram mais três filhos e ela cuidava da casa e dos irmãos para seus pais trabalharem na roça. Quando tinha quatorze anos, apareceu um homem bem mais velho que quis levá-la com ele. Os pais consentiram, embora ela não quisesse. Entretanto pensou que os livraria de mais uma boca para comer já que era pouco para todos e aceitou a proposta.
Contou-me então com detalhes o seu inferno. Depois de ganhar o primeiro filho, aos quinze anos, descobriu que ele era amante de uma vizinha. Ao reclamar, levou mais uma surra das muitas que ainda levaria pelos anos seguintes. As brigas eram frequentes e, entre tapas, socos e empurrões, engravidou mais três vezes. Era corriqueiro ele torcer os pulsos dela até ouvir estalar para ver se quebravam, ou se ela se ajoelhava de dor... Hoje ela tem sequelas, com caroços nos braços e uma tendinite muito sofrida. Está na fila do SUS para operar. Enquanto isso, gasta parte de seu salário para comprar remédios contra a dor de todos os dias.
Foi morar com ele em General Câmara. Trabalhava de dia num supermercado e à noite cuidava de uma idosa. Um dia, saiu mais cedo do trabalho para ir à escola dos filhos. Ele foi procurá-la no supermercado e não entendeu o recado. Chegou em casa, ela já estava dormindo um pouco para aproveitar o pouco tempo que tinha para descansar. Acordou-a com um soco no olho e uma faca na mão. A violência foi tão grande que ficou um mês sem trabalhar, com o olho inchado e hematomas pelo corpo. Foi, pela milionésima vez, à delegacia. Mais uma vez, disseram que não podiam fazer nada. Chamaram o marido violento, reiteraram que não podia bater na mulher e nos filhos e que não se embriagasse mais. Ficou registrada a queixa. Só isso.
Assim foram passando os anos entre violências. Eu precisaria escrever um livro para relatá-las todas. E ela com vergonha de dizer aos pais que queria se separar, vergonha dos vizinhos por se separar e medo de não poder criar os filhos sozinha. Santa ignorância, o companheiro estava quase sempre desempregado e era ela que mantinha o lar. Uma noite chegou alcoolizado, e ela não teve tempo de se defender. Deu-lhe um soco tão violento, com tanta força que lhe saltou um dente. Ela lembra da dor e do sangue que voou até a geladeira branca. Foi só então que ela teve coragem de, com a ajuda de vizinhos, expulsá-lo de casa.
Agora entendo como a violência contra um ser pode durar anos. Ela era uma criança, praticamente analfabeta, ignorante de seus direitos e não sabia se defender. Nem a polícia a ajudava. Costuma-se dizer ainda hoje que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. No entanto, graças a Deus, na atualidade, já podemos fazê-lo, temos a obrigação de denunciar se soubermos de um caso de violência contra a mulher ou outra pessoa. Foi criada a Delegacia da Mulher que não pode resolver tudo, mas é nosso dever nunca fechar os olhos a qualquer tipo de violência porque as próprias pessoas não sabem ou não podem reagir. Hoje também temos a Lei Maria da Penha, que procura proteger as mulheres da violência doméstica.
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