Mafalda Orlandini


13/11/2017 | Doces lembranças

Não há um ser racional que não se espante com o que acontece no mundo atualmente. A gente pensa que já viu e ouviu de tudo, mas lá vem mais uma bomba. Não é uma por dia, mas por hora. São muitas. A Globo poderia oferecer furos de reportagem e anunciar: Acompanhe mais essa tragédia inédita que ocorreu há pouco!!!

Não vou falar da violência, nem do bate-boca dos políticos, autoridades e advogados. Aí residem minhas desilusões. Pessoas que eu outrora admirei se revelaram corruptas, desonestas, incapazes e indignas de ocupar o lugar que lhes cabe na história do país. Evito de emitir opiniões apressadas, porque muita água vai rolar até que as verdades definitivas aparecerem. Só daqui a muitos anos, (eu não estarei mais aqui) criteriosamente, historiadores ou estudiosos vão analisar o antes e o depois para escrever meias verdades nos livros de História para as novas gerações.

Eu mesma já tive meu susto. Fui assaltada ao sair para um aniversário. Um moleque, com uma touca na cabeça, colocou uma arma na minha testa e levou minha bolsa novinha. Prejuízo: a minha bolsa, meus documentos e meus cartões. Minha cunhada, ao manobrar para entrar no box do edifício, teve seu carro tomado por dois assaltantes. Só susto porque seu carro tem rastreador e, em poucas horas, lhe foi devolvido. Tudo isso em plena luz do dia.


Meu marido Ney, ladeado por nossos filhos, Ricardo e Oscar, na beira da praia em Imbé.

A Rua Doutor Barcelos começa no Guaíba e vai até a Cavalhada. No trecho que vai da Wenceslau Escobar ao Guaíba, há vários restaurantes e eu li, há tempos, que é um ponto da cidade em que mais roubam carros. Eu moro para o lado oposto a uma quadra da Wenceslau, na parte mais elevada da rua. A uns três quarteirões mais acima, fica uma vila em que convivem pessoas comuns com traficantes. Seguidamente, passam carros de Bombeiros e camburões para resolver atritos entre os moradores. Só em uma ocasião, a confusão veio até aqui, porque umas mulheres da vila se agarraram ao camburão já que não queriam deixar que levassem um preso que estava armado. Veio mais ajuda da Brigada.

A minha esquerda, um pouco mais distante, fica a famosa Vila Cruzeiro. A gente fica sabendo que o clima lá está fervendo porque passam mais viaturas, às vezes, até helicópteros ficam rondando. Não sou uma pessoa medrosa, mas confesso que chego a sentir medo e “não fico dando chance para o azar” (como diz meu filho) quando chego em casa. Às vezes, chego a me sentir em uma ilha cercada por um mundo diferente...


Meu marido Ney e os nossos filhos Oscar e Ricardo, nos fundos de nossa casa na Praia do Imbé.

Disse ao Ricardo que não estava escrevendo crônicas porque estava sem inspiração por causa do que estava ocorrendo aqui e no mundo. Ele me cobrou escrever sobre o pai. Pensei: ele tem razão. Hoje, como é dia de finados, vou prestar uma homenagem ao meu marido.

Escolhi uma faceta muito marcante de sua personalidade. Ele colocava a família acima de tudo. Era alegre, piadista e adorava música. Sempre que podia, comprava aqueles famosos “discos de vinil” (long plays) que escutava com prazer e levava para o Imbé na bagagem. Apreciava o cancioneiro popular (Francisco Alves, Orlando Silva, Dircinha Batista, Maísa e muitos outros). Mas tinha uma paixão muito especial pelos tangos portenhos e as canções de Carlos Gardel. Escutava-as até memorizar as letras. Era pura malandragem. Modificava-as com piadas safadas para cantar com os filhos, quando viajávamos de carro.

Assim, as nossas viagens de verão para a praia tornaram-se inesquecíveis. Os três cantavam as paródias criadas pelo pai. Eu reclamando das cantorias que achava meio ousadas. Parávamos um sem número de vezes; para comprar carvão, galinha caipira, ovos, cebola em réstea, butiás, cachaça. E não podia faltar a parada em Santa Antônio da Patrulha para degustar os famosos sonhos Saudades!!! Saudades!!!


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