Mafalda Orlandini
27/04/2015 | Os diferentes
Claro, eu sempre soube de preconceitos, injustiças e até mesmo casos de racismo no Brasil. Só nunca pensei que chegaríamos à tensão em que vivemos. Passeatas, protestos, cartazes, violências criaram um clima de radicalismo: trabalhadores versus empresários, esquerda versus direita, brancos versus negros, pobres versus ricos, coxinhas versus petralhas, homossexuais versus heterossexuais, qualquer ideia versus outra ideia... Enfim, qualquer pessoa ou ideia que seja diferente do que eu acho ideal é combatida como se fosse um inimigo mortal.
Comecei a lembrar as pessoas diferentes que fizeram parte da minha vida e tirei conclusões estranhas: ou eu tenho algo “diferente” ou sou uma alienada social. Nasci rica, muito rica e passei a vida trabalhando para permanecer classe média. Não foi fácil, mas nesta ou naquela situação, eu fui a mesma pessoa, não senti que deveria odiar os muito ricos, ter preconceitos a pessoas de outras raças, a pobres, a crenças ou de opção sexual diferente.
Passei em revista a minha vida e refleti em cima de atitudes tomadas. Lembrei-me da primeira vez em que eu soube de um negro sofrer preconceito ou racismo. Eu tinha quatorze anos e fiquei muito amiga da lavadeira, a Mazilde, uma negra que gostava de uma conversa. Ficava ouvindo-a enquanto lavava ou passava as roupas da nossa família. Contou-me, então, que seu marido era gremista doente e que ficara triste por não ser aceito como sócio por ser negro. Fiquei muito surpresa. Ficamos tão amigas que ela me convidou para ser madrinha do seu bebê. Como me lembro dela bem barriguda, rindo feliz, porque eu aceitara. Ela levava a Denise para eu ver de vez em quando, enquanto ela crescia. A última vez que tive contato com a Denise foi quando casou e eu consegui presenteá-la com um jogo de chá e café. Essa família sempre ficou no meu coração por ser boa, honesta, batalhadora, digna de todo respeito como tantas outras famílias com as quais convivi.
A Vera, minha cabeleireira há vinte anos, também é negra com muito orgulho. Tem uma família linda que eu amo. A primeira festa em família de que participei foi no casamente dela. Foi uma bela festa no Clube Floresta Aurora. Desde então, entrei, definitivamente, para os eventos sociais da família Flores. Acompanhei o nascimento e os aniversários dos seus cinco filhos. Participei de casamentos, formaturas (Magistério, Engenharia), aniversários sempre que fui convidada. Foram sempre as melhores festas do mundo: alegria, música, dança. Descontração total. Em resumo. Não perco festa nenhuma da família. Todos os que conheço desse grupo (tios, tias, amigos) são alegres, procuram progredir pelo estudo, educam seus filhos com acerto, seguem os princípios religiosos afro-brasileiros e pagam suas contas como qualquer brasileiro. São negros, descendentes de escravos, uns um pouco mais escuros, outros mais claros, mulatas e negros lindos. Qual é a diferença? E tem mais, durante esses anos, eu e a Vera oferecemos uma à outra o ombro amigo sempre que precisamos de uma confidente de toda hora.
Mudando de assunto Os flanelinhas são, sabidamente, pessoas detestadas pelos motoristas. Pois eu tenho um fato a comentar sobre dois deles. Eu ia todas as semanas na cabeleireira e, quando eu apontava na rua, eles já me indicavam um bom lugar para estacionar e garantir dois reais de gorjeta (naquele tempo). Certa vez, um deles veio me pedir para explicar uma coisa que não tinham para quem perguntar. Aquiesci e ele chamou o companheiro que veio com uma revista científica meio amassada. Queriam saber se o nome do animal era leopardo ou guepardo. Ainda bem que trouxeram a revista que, justamente, explicava tudo sobre o guepardo. Eles não sabiam é ler e interpretar a reportagem. Quem visse aqueles dois quase em cima de mim ia pensar que era um assalto. Não. Era só ânsia de saber. Pensei: eles são como são por falta de oportunidades. Não seriam diferentes se não fossem as mazelas sociais.
Também sempre me dei bem com gays. Tive dois cabeleireiros que eram colegas da Vera, minha cabeleireira. Certa vez, falei que estava precisando de faxineira. Um deles me ouviu e perguntou se eu não queria uma faxina que ele precisava ganhar mais um troco. Revelou-se um excelente e caprichoso funcionário e assim permaneceu durante um bom tempo. Depois tomou outro rumo, vestiu-se de travesti e foi brincar no Carnaval. Um dia, quando saía de um plantão no Universitário, na Carlos Gomes, ouvi alguém gritar meu nome. Era o Paulo que saiu de uma luxuosa residência e fazia questão de me dar um beijinho e contar que agora tinha um emprego de zelador e jardineiro naquela mansão. Fiquei feliz em encontrá-lo bem. Hoje os gays têm outro status. Conquistaram direitos previdenciários e já podem legalizar uniões estáveis e adotar filhos como qualquer outro casal.
Teria muitas histórias para contar, mas bastam apenas rápidas referências. Tenho amigos judeus e até uma sobrinha que se converteu ao judaísmo para casar na Sinagoga. Resultado. Tenho dois sobrinhos-netos judeus. Na década de 70, no Rosário, tive um aluno palestino. Quando vinha conversar comigo, falava das saudades que sentia da sua terra. Havia sido expulso de sua casa na Faixa de Gaza. Nunca esqueci que sonhava voltar um dia. Tive um aluno particular que queria aprender Português. Não foi fácil, porque ele falava Mandarim e Inglês e eu Português e Espanhol, Mas lembro do delicioso chá de jasmim que o pai dele nos servia durante as aulas.
Assim como esses, convivi e conviverei com outros “seres vivos” e terei ainda muitos amigos diferentes que sempre respeitei e respeitarei como pessoas. O mundo seria muito monótono se todos fossem iguais. Seriam um exército de robôs marchando indefinidamente. Um mundo sem cor e sem a beleza dos diferentes que têm um lugar muito especial no meu coração.
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