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Mafalda Orlandini
24/02/2014 | DKW Pracinha, a DEKA
Houve um tempo em que a “azulzinha’ foi a personagem mais em evidência na minha vida. Ela me socorria em tudo, trabalho ou lazer. Era muito requisitada, muito fotografada. Só faltava falar e comentar os muitos segredos e as fofocas que ela deve ter ouvido. Foi o meu primeiro carro e o que mais tempo me serviu.
Sua história começou assim. O Ney queria que eu aprendesse a dirigir e eu relutava, pensava que não seria uma boa motorista. Ele, então, comprou uma caminhonete DKW Pracinha e me deu o carro dele. Disse que eu ficaria com vergonha de ter um carro na garagem e não saber dirigir. Fui “induzida” a ir para a auto-escola e surpreendi o professor que disse que eu levaria muito tempo para aprender por causa da minha idade: 35 anos. Passei na primeira prova. Mas o carro continuou mais um tempo na garagem. Era um carro antigo e difícil de manobrar. E mais. Eu morava na Ramiro Barcelos e em frente ao prédio havia um valão, hoje fechado. Eu vi alguns motoristas caírem nele como hoje ocorre no Arroio Dilúvio. Eu precisava sair de ré até a beira dele e me apavorava.
Carro que o Ney me deu mas ficou na garagem.
O Ney, às vezes, me surpreendia. A CAIXA abrira um financiamento especial de carros populares para pessoas de baixa renda. Os colegas dele, de Magistério, estavam aproveitado para ficarem motorizados. Assim ele comprara a sua caminhonete e poderia comprar outra para mim. Foi, por causa dessa facilidade, que eu ganhei a Deka, zero que também ficou uns dias na garagem.
A "famosa" Deka lá no Imbé. Ao volante Renato Gennari. Sentados no capô Ricardo Gennari (esq.) e meu filho Oscar.
Fui contratada para trabalhar no bairro Vila Nova em Porto Alegre, numa escola de Primeiro Grau. Criei coragem e comecei a ir de carro, mas não dava carona para ninguém para não me verem fazer barbeiragens. Quando afinal ofereci, o carro ficava entupido de colegas e elas me contaram que comentavam que eu era uma exibida, que não ligava para elas.
Quando comecei a ir para o Imbé, foi outra comédia. O Ney ia abrindo caminho com o filho mais velho e eu atrás, proibida de ultrapassar, levava o filho menor e a empregada. Era uma preocupação exagerada e um controle absoluto da velocidade. E eu tinha que parar cada vez que ele resolvia comprar algo na estrada.
Os anos foram passando e a Deka sempre participando da minha vida e das temporadas no Imbé. E eu transportava meus filhos para lá e para cá. Os verões foram passando e o Oscar já estava com quase 18 anos. Nessa idade, aprendem a dirigir com facilidade e, quando eu percebi, já estava pedindo o carro para ir ao Imbé Norte, ao Braço-Morto. Como ele só ia e voltava à tardinha, conquistou minha confiança. Foi aí que fez a travessura de ir a Tramandaí com o colega Lomando e atropelar um ciclista. Domingo passado, contou-me que chegou a amassar a placa. Ficou escondido na casa dos amigos para consertá-la e pintá-la para que eu não percebesse. E nunca percebi mesmo. Só que ele jamais pensou que iriam buscá-lo em casa no fim da tarde.
Acho que fiquei com a Deka por uns oito anos. Tive outros carros. Alguns Fiesta, Brasília, Corcel e até um Peugeot, importado que comprei à vista com o FGTS de quando saí do Rosário. No entanto nenhum tinha alma, nenhum tinha a cumplicidade da Deka. Nenhum participou das aventuras de meus filhos adolescentes e do meu trabalho de professora. Naquele tempo, na situação de viúva, com dois filhos para educar, trabalhei em Gravataí, em Cachoeirinha, na Vila Nova, no Colégio Rosário, no Colégio Vera Cruz. Sempre andava com a caminhonete abarrotada de colegas, cada uma com sua história de vida. Em Cachoeirinha e na Vila Nova tive caroneiras de caderninho e a volta para casa era sempre uma farra.
Cartão do tempo na Escola Estadual Rodrigues Alves em Cachoeirinha. À direita, em baixo, está a professora Maria Tereza Nogueira, professora de artes, criadora do cartão. .Atrás dela. o professor Waldemar, conhecido como Pernambuco, o carnavalesco. Com a partitura de música, a professora Sara e eu na caminhonete.
Só me desfiz da Deka quando estava bem velhinha. Realmente, não dava mais, ela não tinha mais forças para tanta atividade e para carregar tantos agregados. Não fosse a insistência do meu marido que afirmava que aprender a dirigir não é luxo, não seria possível sobreviver naqueles tempos difíceis, conseguir trabalhar tão longe, em tantos colégios, de manhã, de tarde e estudar à noite, nem continuar curtindo aqueles verões que serão sempre inesquecíveis. Mais isso devo a ele que parece que adivinhou que desistiria da vida tão cedo.
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