Mafalda Orlandini
21/07/2014 | A Nossa Árvore
Um belo dia, resolvi que era hora de vender a casa da praia. Tomei a decisão meio sem pensar, irritada com os inúmeros assaltos. Até perdi a conta de quantas vezes encontramos a casa arrombada. Devem ter sido mais de dez. Sempre tínhamos que repor objetos essenciais: lençóis, toalhas, talheres, liquidificador, lâmpadas de cabeceira. Uma vez, roubaram as bicicletas e até o armário da parede da cozinha.
Contratei uma imobiliária que veio colocar uma placa de vende-se. Era o último dia de veraneio e voltamos para Porto Alegre. O que eu não esperava é que, no dia seguinte, aparecessem compradores que me pediram um mês para conseguirem um financiamento da CAIXA. Até já tinham visitado a casa acompanhados da Zeladora da minha casa. Sinceramente, eu não acreditava que a CAIXA fosse financiar uma casa de mais de trinta anos na praia. Não é que conseguiram e eu tive que encarar o negócio.
Foto da casa
Eu não estava muito convencida de que era hora de vender e foi meio sofrido para mim, meus filhos e netos que veraneavam sempre no Imbé. Lembro perfeitamente, quando chegamos, em janeiro de1978, com os gêmeos Milena e Eduardo, com quatro meses de idade e os deitamos no Gramado e os vizinhos ficaram espiando pela janela. Claro, ficaram surpresos, pois o pai deles, Ricardo, só tinha dezoito anos.
Quando recebi os compradores pessoalmente para fechar negócio, minha neta ficou só me observando. Ao saírem os compradores, ela me perguntou se eu queria mesmo vender. Falou-me que eu era péssima vendedora ou não queria vender. Eu destacara todos os problemas da casa. Disse que estava cheia de cupins e até mostrei, junto à churrasqueira, um lugar onde os cupins já estavam furando o forro de lambris. Mencionei que havia goteiras, que eu havia mandado consertar, mas que achava que teria que mudar todo o telhado. Falei que os gambás invadiam o forro e faziam barulho durante a noite, e tudo de negativo que pude me lembrar. Eles quiseram comprar assim mesmo. Nós rimos muito depois que eles saíram.
Eu e meus netos, Eduardo e Milena, prontos para o Carnaval.
Com o choque pela venda da casa, veio à tona a perda de “nossa casinha”, local preferido deles para confidências e brincadeiras. Nós tínhamos, na frente da casa, quase na calçada, uma aroeira mansa que crescia muito e formava uma copa fechada. Era fácil subir na parte bem espaçosa que permitia que ficassem ali várias crianças. Principalmente as meninas brincavam nos seus galhos retorcidos pela ação dos ventos. Minha neta conta que dividiam o espaço como se fossem cômodos de uma casa de verdade. Havia até um ponto mais avançado que era chamado de observatório e podia-se observar quem passava na rua sem ser visto. Levavam roupas e brinquedos. Trocavam a camiseta para enganar os meninos quando iam brincar de esconder no escuro. Como ficavam até o anoitecer, foi colocada uma extensão com uma lâmpada na árvore e as crianças tinham autonomia para acender e apagar quando quisessem.
Imagem 083
Milena, primeira neta a desfrutar a “casinha”
Vieram outros netos e outras crianças e a árvore ficou sendo popular na vizinhança. Era a árvore de todos e quando os galhos dela invadiam o terreno do vizinho e ele se atrevia a mutilar um lado da copa, todos reclamavam. Uma vez, cortaram um galho forte, mais perto do chão, que servia de banco, em que sentavam para conversar à tarde. Isso foi feito quando foi resolvido fazer uma cerca nos jardins porque aumentavam os roubos na praia. Ficou tão popular na vizinhança que, quando a casa foi vendida, a gurizada lamentou a perda daquela árvore que era de todos.
Luan, o neto mais moço, no dia em que entreguei a casa.
O tempo passou e aqueles que curtiram a aroeira mansa da Rua Novo Hamburgo, no Imbé, hoje são adultos, advogados, arquitetos, professores, técnicos em computação, compenetrados na profissão que escolheram e vários já têm filhos. Enfim, a “árvore da infância” agora é apenas a lembrança de uma época muito bem vivida.
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