Mafalda Orlandini
13/06/2016 | Acorda, Brasil
Eu nasci em 1930. Portanto, tenho acompanhado todas as crises que o Brasil tem enfrentado: Revolução ou Golpe de1930, morte de Getúlio, renúncia de Jânio. João Goulart e o Movimento da Legalidade, Ditadura, impeachment de Collor e não sei mais quantas. Durante minha infância, sempre ouvi falar na Revolução e o único Presidente do Brasil era Getúlio Vargas durante 15 anos. Para mim, ele seria eterno. O meu pai era getulista e minha mãe contava que ele saiu de Roca Sales, em 1929, para juntar-se aos companheiros de Getúlio. Não chegou até lá porque o movimento acabou. Também eram outros tempos. Não se falava em política para crianças nem na escola e os meios de comunicação eram precários e até censurados.
Comitiva de Getúlio Vargas (ao centro) fotografada por Claro Jansson durante sua passagem por Itararé (São Paulo) a caminho do Rio de Janeiro após a vitoriosa Revolução de 1930.
Tudo isso se juntava ao fato de que todos os desacertos políticos e as trocas de governo ocorriam longe daqui: na Capital Federal, em São Paulo e Rio de Janeiro. Nas primeiras crises, a TV ainda não existia e, nos casos mais graves, não havia invasão das nossas casas com notícias alarmantes. A morte de Getúlio não mexeu com minha rotina, embora muito comentada e sentida. Foi tudo resolvido rapidamente. O Movimento da Legalidade foi o primeiro que mexeu comigo
Cavalaria Gaúcha chega ao obelisco na Avenida Rio Branco, Rio de Janeiro, novembro de 1930.
Ocorreu em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. O vice-presidente João Goulart estava na China, e, como ele era considerado da esquerda, os Militares não queriam que tomasse posse. Leonel Brizola, que era Governador do Rio Grande do Sul e cunhado dele, liderou um movimento para que fosse mantida a ordem legal da sucessão. Como o Governo não cedia, Brizola entrincheirou-se no Palácio Piratini, mobilizou a Brigada Militar e distribuiu armas para a população. Generalizou-se o tumulto. Eu estava fazendo compras na Rua do Rosário (Vigário José Inácio) e fui levada de roldão pela multidão em pânico. Só deu tempo de me abrigar em uma loja, pois todas fecharam rapidamente as portas, quando o povo que cercava o Palácio Piratini se assustou e debandou pelas ruas próximas. Pensei: a revolução já começou e eu estou no meio. Corri apavorada para casa.
Brizola comanda pelo rádio a "Cadeia da Legalidade" para garantir a posse do vice-presidente João Goulart.
Foi apenas o Início. Entrou no ar a Rádio Legalidade, a Guaíba, que, sob as orientações de Brizola, incentivava o povo a resistir. Passou a funcionar nos porões do Piratini, criou uma rede com outras emissoras. Foi aí que, pela primeira vez, eu senti medo e uma crise brasileira mexeu com minha rotina. Hoje a gente pode rir. Os chefes das famílias ajudaram-nos a fazer gordos ranchos, encheram os tanques de gasolina, e nos levaram para o Haras em Belém novo. Além disso, lá havia todo conforto, não ficaria longe de outros recursos e também outros alimentos como frangos, ovos, leite, cordeiros, horta. As crianças adoraram as férias escolares extras e as comidas da vovó e os churrascos feitos pelos tios. Perfeito.
Pórtico da entrada do Haras \realce
E assim passamos 14 dias com o rádio ligado na Legalidade. Eram notícias assustadoras, boatos, ameaças que nos deixavam em pânico. O Governador de Goiás entrou na briga e o Exército foi convocado para atacar a capital do estado. Tudo levava a crer que haveria luta armada e derramamento de sangue. Mas, de repente, o general José Machado Lopes, responsável pela base de Canoas, recusou-se a bombardear o Palácio e matar Brizola. Aconteceram outras rupturas do lado de lá e um acerto entre as partes que levou João Goulart a tomar posse em 8 de setembro de 1961.
Com Tancredo Neves à frente do governo, Jango e seu gabinete tomaram posse em 8 de setembro de 1961
Lembro a nossa fuga hilária e nervosa sempre que vejo o sofrimento dos migrantes. Vejo que fogem de violências extremas e reais, deixam suas casas, saem a caminhar por esse mundão de Deus ou em barcos frágeis e lotados. Perderam a confiança de viver em seus países, levam apenas seus filhos, seus bens maiores, mas quase nunca encontram o que buscam. Pobres criaturas que se sentem rejeitadas pelo mundo.
Barco de migrantes virando no Mediterrâneo.
Crise. Crise. Chega de CRISE. Deixa a Justiça agir. Que se punam os corruptos, os maus políticos (não importa o partido), os exploradores do povo, os torturadores, os violentos, os traficantes, enfim, todos os que atrasam o Brasil. Acorda, Brasil. Deixa de ficar “deitado eternamente em berço esplêndido”. Olha este céu, este mar, essa terra maravilhosa que “em que se plantando tudo dá”. Ação, trabalho e confiança é o caminho para vencer a CRISE que os maus governantes criaram para o Brasil. Embora demore mais um pouco, essa também vai ficar apenas nos livros de História para contar às crianças.
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