Mafalda Orlandini
27/11/2017 | Foi assim
Jamais esqueci o primeiro olhar que trocamos. Foi por cima do muro das duas residências: eu, no pátio de minha casa, ele, chegando à casa da tia Clory, lindeira da minha. Naquele tempo, eu era uma adolescente de 16 anos e ele um jovem chegando aos vinte. Não foi difícil descobrir que ele viria todas as tardes fazer um lanche na casa da tia e madrinha para depois ir estudar Técnicas Comerciais no noturno do Colégio Rosário. Eu ficava na nossa sala de estudos que nossos pais haviam preparado em uma construção nos fundos do terreno e foi “natural” iniciar um flerte diário. Um belo dia, me chamou para conversar junto ao muro, na parte que era mais baixa, no final dos terrenos. Daí a passear de mãos dadas nas calçadas do bairro, a frequentar as famosas matinés do cinema Colombo foi um salto.
Apesar da Segunda Grande Guerra vir devastando o mundo, nós conseguimos estudar em escolas particulares católicas e não enfrentar maiores dificuldade. O Ney havia terminado o ginásio em Gravataí e vinha continuar em Porto Alegre. Ele curtia o status social da classe média. Adorava dançar. Não perdia os bailes da Glorinha, de Gravataí, do Dinamite em POA. Às vezes, dava uma escapada em Guaíba, na casa do Vovô Vasco para não perder um “bate-coxas”, como dizia a rapaziada naquela época. Assim ele flertava com a Rosane em Guaíba, com a Teresa em Gravataí, comigo em Porto e não sei quem mais. Eu não dava muita importância porque eu também encarava um bom flerte.
O Ney em foto com o uniforme do Ginásio Dom Feliciano
A vida alegre e sem preocupações, de repente, foi cortada. Seu pai, que tinha uma olaria, foi cobrar a conta de um devedor. O homem estava bêbado, brigando com a mulher, com um revólver na mão, em vez de atirar na mulher, atirou no seu Oscar que chegara na hora errada. Ele faleceu depois de um ano e muito sofrimento por não conseguir retirar a bala.
A vida, muitas vezes, nos tira o que mais amamos. Além da enorme revolta com o que acontecera com seu pai, o Ney teve que assumir a educação de uma irmã adolescente e o sustento da mãe. Foi preciso encarar: pela manhã, o trabalho na olaria, de tarde, um emprego na Imprensa Oficial (conseguido através de amigos) e ainda o estudo à noite. Ele adorava jogar futebol. Sua mãe, certas ocasiões, escondia os calções para impedi-lo no que achava perda de tempo. Coisa de mãe. Ele não tinha dúvidas. Ia jogar de cuecas. Quando começou a jogar no Paladino, (clube que existiu por dois ou três anos em Gravataí) recebeu uma proposta profissional muito boa. Dependia da autorização da mãe que se negou a dá-la por ser arrimo de família. Levou um sentimento de frustração por muitos anos.
O Ney (agachado - segundo da dir. para esq.) com os companheiros do time
Já noivos e nesse sufoco te trabalhar e não juntar dinheiro para casar, chegamos ao ano de 1950. Eu estava com vinte anos e meu noivado se alongava. Meus pais resolveram dar uma “ajudinha” no casamento. Eu já estava com o enxoval pronto e me mandaram escolher um lindo quarto para nós. Prepararam uma festa de princesa e nos levaram para morar no casarão da Vinte e Quatro de Outubro que meu pai recém comprara. O marido só entrou com o enxoval dele e o custo de uma lua-de-mel na Argentina.
Meus pais, Guido e Alzira, e os noivos, em foto no casarão após o casamento
Pensei que deveria contar essa parte da história de nossas vidas, e do gesto de meus pais e a bondade deles. No tempo em que ele tinha muito dinheiro, abriu a mão para facilitar o casamento da filha mais velha. Aliás, isso era uma prática comum entre as famílias italianas bem abonadas. Simplificou a união de duas pessoas que se amavam e lhe deram dois netos que ele curtiu muito. O casal foi muito feliz até que a morte os separou.
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