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Mafalda Orlandini
17/02/2014 | Professor Perversor
A vida corria em seu ritmo normal: casa, fazenda, alguns passeios, as crianças crescendo, o marido trabalhando adoidado e, embora amando a família, ficava pouco tempo com ela. Nos fins de semana, queria ficar dormindo, descansando.
Enquanto isso, eu lia muito porque sempre gostara de literatura, e de ler revistas e jornais. Um dia, disse ao meu marido que, aos trinta e dois anos, me sentia frustrada por não ter estudado mais. Meu pai achava que o Ginásio era mais que suficiente para uma filha mulher. Era a cultura italiana que preferia a mulher na cozinha. Meu marido logo foi dizendo que, se eu quisesse, ele me ajudaria a estudar. Eu argumentei que ia me sentir muito velha no meio de estudantes. Ele disse que não, que havia muitos adultos voltando a estudar. Eu sempre quisera ser jornalista, mas ele me convenceu a tirar Magistério, que iria me levar para uma escola com ele, quando eu me formasse e poderíamos passar mais tempo juntos.
Da esquerda para a direita: Lilian Wild, Mafalda e Dolores Scholz passeando na Rua da Praia. Usam o uniforme do curso ginasial do Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho em 1946.
Ele era diretor do SENAC, vice-diretor do Colégio Irmão Pedro, professor de Contabilidade do Colégio Nossa Senhora do Rosário e também no Curso Mauá. Não perdeu tempo e, no dia seguinte, veio com todas as informações de uma Escola Normal que estava começando na Vila do IAPI e só exigia uma boa redação como prova. Era longe, mas ele iria me levar lá todas as manhãs. Com tamanho incentivo, fui lá fazer a redação. Claro, eu lia muito e fiz uma redação excelente, no entanto com vários erros de acentuação. Matriculei-me em seguida.
Houve um problema que o Ney deixou que eu resolvesse: o que fazer com o Ricardo que tinha três anos. Eu não tinha babá, e não queria deixar com uma empregada sem noção de educar uma criança. A Diretora, professora Dagmar Dourado, mostrou boa vontade e ele, apesar da idade, ficou como ouvinte no Jardim. Ele então protagonizou o episódio que mais me encabulou nos primeiros dias. O professor de Biologia mandou que cada aluno (havia um rapaz) se apresentasse dizendo seu nome e idade. Então cada uma dizia seu nome e 16, 17, 18 anos. Eu tive que dizer Mafalda, 31 anos. Ao mesmo tempo, o Ricardo entrou na sala chorando e dizendo: “Mãe, eu não quero ficar com aquelas mulheres chatas’. Risada geral, não sei se pela idade ou pela intromissão do menino e eu querendo sumir.
O Ney era bem intencionado, mas não aguentou o ritmo. Levar-me à escola e cumprir o horário das escolas em que trabalhava. Eu não pensei em desistir e fui falar com a Madre do Bom Conselho e chorei toda a história. Eu havia terminado o ginásio lá, em 1946. Pediu uns dias para estudar minhas fichas e dois dias depois eu e meu filho estávamos matriculados e eu desfilando orgulhosamente o uniforme de normalista do Bom Conselho.|
Turma de normalistas no pátio do Colégio em 1964. Mafalda é a sexta da esquerda p/ direita.
Não demorou muito e essa transferência deu motivo a outro episódio hilário. Meu marido começou a receber cartas anônimas. Tachavam-no de ‘professor perversor’. As cartas afirmavam que ele, sendo um homem casado, não tinha vergonha de sair com uma aluna de uniforme de colégio e o irmãozinho dela. A fofoca corria solta na Escola Irmão Pedro e ele resolveu me acordar à noite para me contar antes que ocorresse uma tragédia. Estava com receio que mandassem cartas também para algum pai de aluna. Como eu já estava escaldada, pois uma vez deixaram minha mãe quase maluca me confundindo com uma provável amante de meu pai, dei boas risadas e disse, na mesma hora, que a aluna de uniforme era eu e o irmãozinho era o Ricardo.
Almoço de despedida da turma em 25/11/64. Mafalda é a terceira da direita para a esquerda.
Conto isso para prestar uma homenagem ao meu marido. Faz cinquenta anos que isso aconteceu e se ele não me incentivasse com seu bom senso, eu viveria frustrada, deixaria de viver a minha profissão e fazer o que sempre me deu muita satisfação e alegria. Ele faleceu em 68, oportunizou-me uma viuvez ativa e me deu uma “sobrevida” (posso falar assim) de quase cinquenta anos. Naquele tempo, as pessoas com mais idade tinham vergonha de voltar aos bancos escolares. Hoje, com mais de sessenta anos, elas o fazem com naturalidade, com orgulho e o incentivo de todos. A sabedoria dele me deu o caminho para minha realização pessoal e profissional.
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