Mafalda Orlandini
14/12/2015 | A Conquista de um Sonho
Vim morar neste apartamento na mudança do século, ano 2000. O prédio estava mais ou menos pronto, sem grades e jardim, sem zelador, sem habite-se, sem plano contra incêndio, sem escritura. Só havia mais dois corajosos no prédio, a rede elétrica, hidráulica e o elevador funcionando. Passaram-se alguns meses para que viessem mais moradores e alguns anos para conseguirmos a escritura. A construção foi em condomínio, uma novela. Passamos por três construtores, parou um tempo, depois de inúmeras reuniões, desacertos e acertos, ficou habitável. Dois proprietários e eu criamos coragem e nos aventuramos a ocupar os nossos apartamentos.
O prédio é de frente para o Guaíba com uma sacada de bom tamanho. Sempre que queria curtir o panorama que se estende a perder de vista, o vento me incomodava. Aqui, na ponta mais elevada da Doutor Barcelos, o vento chega a uivar tanto que até me lembro daquela obra famosa “O Morro dos Ventos Uivantes”, uníco romance da escritora britânica Emily Brontë. Comecei a alimentar um sonho: anexar a sacada ao meu living, colocar vidros e trazer minha mesa de refeições de frente para o Guaíba e seu incrível pôr-do-sol. O sonho, entretanto, levou uns sete ou oito anos (não meses) gestando.
Apesar do dia nublado, a vista é maravilhosa.
De repente, ocorreram dois milagres, milagres mesmo. O primeiro foi, depois de muitos entraves, conseguir a escritura do apartamento. O segundo foi receber uma RPV pela qual eu lutava desde o Governo Britto. Houve a Assembleia Geral do Condomínio e foi liberada a anexação das sacadas: eu não aguentava esperar mais nenhum minuto.
Depois de uma sofrida reforma (permaneci no imóvel), consegui instalar minha mesa de refeições de frente para o Guaíba. Comecei a viver meu sonho. Diariamente, ele (o rio ou o lago) conversa comigo, me dá bom dia e me estimula a viver mais um dia. Começa no café da manhã. Quando vejo uma densa neblina encobrindo-o, sei que vai haver atrasos ou cancelamento de voos no Aeroporto Salgado Filho. Se, quando levanto os olhos dos meus jornais (Correio do Povo e ZH), vejo que a neblina sumiu no meio da manhã, sei que o aeroporto voltou a funcionar normalmente.
Quando dou bom dia para “ele” e o vejo turvo, amarronzado, sei que choveu muito nas cabeceiras e sofro pelo assoreamento de seus afluentes. Se o vejo limpo, azulado, fico torcendo e imaginado que os emissários para a despoluição do Guaíba estão obtendo bons resultados. Fico feliz pelo meio ambiente, por algo estar dando certo.
E a lição dos navios? Percebo que entram carregados em direção ao cais Mauá, quando os cascos estão mais enterrados na água. Ao retornarem, mais leves, os cascos estão mais emersos, denunciando que conseguiram descarregar. E, nos dias em que a cerração não dá tréguas, eles apitam, anunciando sua presença para outros barcos. Dá um gosto de nostalgia.
Outro espetáculo que me dá imenso prazer é o dos barquinhos do Clube Jangadeiros. Todos os dias, vejo as pequenas velas enroladas dos barquinhos ancorados. Basta fazer um belo dia de sol e vento, para os sócios do clube povoarem a paisagem com aquelas casquinhas navegantes. Imagine o prazer dos usuários.
Barcos dos velejadores do Jangadeiros nas águas do Guaíba.
Se o Guaíba está acima do seu leito normal, enxergo os prédios das cidades de Guaíba e Alegria, meio pela metade. Se seu leito está no nível normal, e o dia é claro, distingo-os mais altaneiros. Penso também que o povo das ilhas tem seu dia mais tranquilo.
Assim é o meu caso de amor com o meu rio ou lago. Não importa o que seja. Ele me dá lições diárias, ensina, principalmente, a agradecer mais um dia de vida, o carinho da minha família. Tenho tudo que preciso para ser feliz. Esse amor tão lindo, recíproco, espero, vai durar toda a vida.
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