Carlos Mello
30/03/2011 | Carlos começou a pensar.
Carlos é personagem de uma história é real.
Numa ceia de natal, com 14 anos, recém egresso de um internato de religiosos, onde tinha ficado por dois anos, sua mãe pediu que ele fizesse uma oração. Carlos não desapontou, fez uma linda oração, tipo: “Senhor, graças a tua imensa benevolência chegamos ao fim de mais um ano, então queremos lhe agradecer e pedir vossa misericordiosa benção para ...blá blá blá...”. Todos gostaram e foi bastante elogiado pela sua erudição religiosa. Logo depois uma surpresa: Carlos explicou que aquela oração era só mais uma repetição decorada das homilias repetidas à exaustão há séculos nos sermões, não tinha nada de original pois eram frases sem nenhum sentido lógico.
A sua mãe, que nunca obrigou os filhos a rezar ou teve algum crucifixo em casa, mas era religiosa, ficou surpreendida com a afirmação do filho que julgava ser um “guri de Fé”.
Esta história inicia dois anos antes, então com 12 anos, quando em razão da separação dos pais, foi colocado num internato de padres católicos no município de Taquari, no Rio Grande do Sul, isto em 1962. Nesta instituição existia uma exagerada atividade religiosa, pois iniciava o dia assistindo missa, durante o almoço era lida a bíblia; tinha-se que rezar o rosário (uma espécie de ábaco para fazer repetir ridiculamente a mesma oração umas 50 vezes, uma verdadeira máquina de emburrecer) pelo menos uma vez por dia, e antes de dormir se agradecia o dia. Os domingos era todo dedicado a orações, procissões e rezas, fora as comemorações especiais de cada santo. Não existia ambiente para reflexão fora do universo religioso. Os livros mais valorizados eram o catecismo básico e a Bíblia. Essa dose exagerada de veneração a estátuas fez ele desconfiar que alguma coisa estava errada, era tudo antinatural.
Neste ambiente, fora alguns casos de pedofilia, a maioria dos professores, todos ligados a mesma seita (padres ou quase), eram pessoas boas, bem intencionadas e que provavelmente acreditavam no que pregavam. Para os dirigentes da instituição Carlos era um problema, porque, diferente de seus colegas, costumava questionar o que era ensinado, e isto era muito embaraçoso quando tinham que explicar o que era impossível fazer de forma racional. Não custa lembrar que questionar ou pensar é uma atitude estranha ao mundo religioso. Por esta razão ele tinha uma assistência especial, era constantemente chamado a conversar com o diretor e supervisores. Na realidade eles estavam tentando colocá-lo no “verdadeiro caminho de Jesus”, pois achavam que tinha um sério desvio de conduta, e sempre lembravam, em tom de ameaça, sobre a existência do inferno. Aquelas chamadas ao “verdadeiro caminho” acabavam o inibindo, mas ficava cada vez mais intrigado com as explicações mal respondidas. Ainda não tinha a idéia de que já era, no mínimo, um agnóstico.
O resultado da tentativa de lavagem cerebral é que quando saiu do internato, com 14 anos, cheio de interrogações, e buscando respostas, numa época em que as informações eram infinitamente menores que as disponíveis atualmente, decidiu ler a bíblia, pois até então só tinha lido os trechos indicados. Foi quando se convenceu de que aquele livro era uma mistura de estórias muito mal feitas. Quem tentou lhe esclarecer alguns trechos, só fizeram aumentar seu convencimento de que era tudo invenção, confirmando sua convicção de que haviam tentado enganá-lo.
Em 1966, com 16 anos, encontrou o único livro que tratava do assunto de forma racional, foi o “Porque não sou cristão” do matemático inglês Bertrand Russel, ainda hoje uma referência no assunto, nesta época Carlos descobriu o que era o ateísmo e que ele era ateu.
Carlos não é um ateu “xiita”, daqueles que querem vingança por terem sido ludibriados. Isto porque realmente nunca foi persuadido, só tentaram, na realidade nunca acreditou, mas compreende a justificada ira dos que se sentiram enganados, às vezes por quase toda vida, abonando estas crendices.
Como lição, aprendeu que a melhor forma de transformar alguém em ateu é dar-lhe uma bíblia. Não ficar restrito aos trechos habilmente escolhidos, como acontece sempre. Se o leitor tiver um pouco (bem pouco já é suficiente) de discernimento, certamente no início do velho testamento já terá virado ateu, quando chegar ao novo testamento vai estar rindo do que está escrito, e se chegar ao apocalipse será uma pessoa preocupada com a saúde mental de quem acredita naquelas absurdas estórias.
Compartilhe
- Dia de Santa Adelaide
- Dia de São José Moscati
- Dia do Butantã
- Dia do Reservista
- Dia do Síndico - Porto Alegre
- Dia do Teatro Amador