James M. Dressler
12/02/2015 | Os Outros
Estava dando uma olhada nas últimas postagens nas redes sociais, e me deparei (não foi nem a primeira, nem foi a última) com alguém escreve algo assim: “... no máximo permitiu que a roubalheira dos outros continuasse...”. Acabei constatando que, cada vez mais, ninguém assume suas culpas (ou as de sua tribo), ninguém quer admitir seus erros e ninguém mais tolera frustrações. Invariavelmente, existe um ente a quem podemos atribuir tudo que não nos interessa assumir: os “outros”.
Uma das primeiras coisas que lembro que aprendi de meus pais foi a ter responsabilidade pelos meus atos, e por isso agradeço muito a eles. Acostumei-me até a assumir problemas que não eram meus só para poder resolvê-los. Mas vejo que se isso era até algo mais natural naquela época, mais de 40 anos atrás, à medida que fui envelhecendo, reparei que cada vez mais essa atitude se tornou uma exceção à regra.
E para isso concorreram vários fatores, acho que alguns que são um retrato de nosso tempo e outros que são específicos do contexto brasileiro. No aspecto global, principalmente ocidental, a tecnologia nos permitiu avanços extraordinários que obviamente se refletiram nos costumes, sempre nos dando uma chance a mais de prevenir ou corrigir eventuais deslizes de comportamento ou mesmo torná-los admissíveis. Não quero dizer que isso seja ruim, são apenas fatos da vida e que mudam muitas coisas para o bem (a maioria) e outras nem tanto. Mas ao permitir que mais desvios de comportamento acontecessem, certos valores e padrões morais também foram deixados pelo caminho. Podemos incluir aí a pílula anticoncepcional, a Internet e até a tecnologia de segurança veicular. Hoje podemos fazer sexo sem compromisso, podemos dizer o que bem entender e depois remover comentários que não pegaram bem, e podemos acelerar mais porque os freios funcionam melhor e ainda tem o air-bag para o caso de algo sair fora do controle.
Especificamente no contexto brasileiro, acho que o fim da ditadura marcou toda a geração que sofreu com ela, mas que acabou influenciando da mesma forma a todos os brasileiros, mesmo os que até apoiaram-na. A década de 80 representou a explosão de um sentimento de liberdade e de fastio com o dever e a linha dura, desembocando em uma tentativa de recuperação de todos os direitos que teriam sido tolhidos por 25 anos. O resultado foi uma constituição de 1988 em que se fala muito em direitos e pouco em deveres, criando uma idéia errada de que todos têm pouca responsabilidade, muita liberdade e muitos direitos, perdendo-se até aquela noção de que minha liberdade vai até onde começa a liberdade dos outros.
Neste contexto, foram se formando novas gerações em que desde criança não há muitos limites para o que se pode ou não fazer, onde é praticamente proibido os pais constrangerem os filhos a algumas regras e a aplicar punições quando elas são desrespeitadas. Obviamente, daí só podem surgir adultos que, em primeiro lugar, não tem nenhuma tolerância a frustrações e em segundo lugar, não tem nenhuma responsabilidade para com seus atos. Serão adultos que cometerão barbaridades quando contrariados, e que se flagrados, dirão que foi a sociedade que os conduziu àquela situação. Os “outros” é que são os culpados.
Este mesmo contexto gerou outro comportamento que é aquele em que o sujeito, diante de evidências cabais de que ele cometeu um crime grave, diz que vai pagar o seu “débito com a sociedade”, assim como quem tem que realizar uma tarefa difícil, mas que depois disso, ele estará quites e tudo resolvido. Nem um remorso, nem um constrangimento perante sua consciência: é como alguém que compra um carro, paga as prestações e ponto final. Alguém pode dizer que são casos de psicopatia, e eu diria que isso está cada vez mais comum hoje em dia, como em nenhuma outra época anterior.
Agora, vemos novamente políticos pegos com as calças na mão no caso do petrolão, como já havíamos visto no antes no mensalão, e só para não variar, refletindo o espírito do nosso tempo, a culpa é dos “outros”: “eles é que nos corromperam”, “é campanha da mídia contra nós”, “não podemos criminalizar o partido”, “se houve desvios, que os culpados sejam punidos (mas a gente aplaude os nossos)” e por aí vai. Assim como na campanha eleitoral, quando eram os “outros” que iriam fazer tudo aquilo que estamos vendo ser feito agora...
Os “outros”, essa massa sem rosto e sem nome, é por definição um sujeito indeterminado cuja principal característica principal é alguém bem distante de nós. De preferência algum grupo de inimigos.
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