James M. Dressler
03/05/2017 | Baleia Azul
Depois do alarme gerado pelo “jogo” da baleia azul, onde crianças e adolescentes são induzidas a realizar tarefas que culminam com o suicídio, fiquei pensando sobre como eram as coisas na época da minha infância e adolescência, lá pelo final da década de 60 e durante a de 70.
O que me levou a este exercício de memória foi tentar lembrar qual seria a repercussão na minha cabeça de tal “jogo”. Não só na minha, mas de amigos daquela época. Teria chance de passar da primeira tarefa mais perigosa ou que autoinfligisse dor? Não creio. Suicídio? Muito menos. Se havia uma coisa que a gente aprendia era a ter medo de qualquer coisa que causasse qualquer possibilidade de dor, muito menos morte. Naquela época não havia nem as tais redes de proteção em janelas, como hoje, e desde pequenos aprendíamos que janela era algo com que deveríamos ter muito cuidado. De uma forma geral, nem pensar em causar quaisquer dissabores aos pais, que já se esforçavam tanto para não deixar nada faltar em casa.
Lembro bem que naquela época o bullying corria solto, sem maiores preocupações de pais e professores. Eu mesmo comecei a usar óculos aos três anos. Desde que me dou por gente, já era o “quatro-olhos”, lá no jardim de infância. Aprendi eu mesmo a não dar bola e fazer de conta que não era comigo. Nunca voltei para casa chorando por causa disso. E todo ano tinha de novo, mudava a turma, tentavam colar o apelido de novo. Claro, que havia outros casos de bullying tão ou mais graves, como a criança gorda, o CDF (esse também fiz jus, que não colava pelos mesmos motivos), o que era ruim de futebol, e por aí vai. Crianças sabem ser impiedosas e cruéis quando discriminam alguém que acusa o golpe. Mas nada que não possa ser superado com uma boa orientação
Mas por que hoje seriam as crianças mais suscetíveis a uma situação depressiva decorrente do bullying ou outras situações adversas, e que as levem a encarar tal jogo como algo razoável? Acho que em primeiro lugar, pode estar a desestruturação familiar, bem mais comum que na minha época. Pais separados, insegurança quanto ao futuro pela ausência de um ou outro, ou um ambiente familiar carregado, cheio de brigas e desavenças. Ambientes assim podem gerar uma situação de desamparo, de não saber o que fazer para lidar com problemas. Por outro lado, a superproteção, onde os filhos acabam superdependentes dos pais, também pode ser causa, pois eles nem sempre podem estar presentes, e aí a sensação de desamparo frente a situações desagradáveis pode ser ainda maior. Crianças ensinadas a sempre recorrerem aos pais, mesmo para resolver pequenos conflitos que surgem entre elas próprias, acabam discriminadas pelas outras crianças e se tornam pessoas com baixa tolerância a frustrações. E se há uma coisa que a vida nos oferece em profusão são situações em que não conseguiremos o que pretendemos e sairemos frustrados. Não saber lidar com problemas e assimilar frustrações, seja por falta de orientação ou por superproteção, abre caminho para um quadro de insatisfação com a vida e até de depressão.
Num mundo hiperconectado, que nos permite facilmente encontrar pessoas com gostos, atitudes e ideias comuns, não tenha dúvida que isso vale também para crianças e adolescentes insatisfeitos com a vida, inclusive sádicos que queiram se aproveitar dos mais frágeis. E nada pior para reforçar ideias e pensamentos ruins do que encontrar outros que pensam da mesma forma. E a hiperconexão também amplifica as consequências de todas estas situações de bullying, expondo ainda mais as crianças.
Então, não é de espantar o surgimento de tal “jogo”, mas temos que compreender o porquê dele prosperar entre os jovens. E ficarmos alertas com nossos filhos, ensinando-os a lidar e superar o bullying e outras situações que surgem na infância e adolescência, que sempre são melhores resolvidas se pelas próprias crianças e adolescentes, devidamente instruídos a lidar com elas. Serve como reforço da autoconfiança e afirmação da personalidade do jovem, e como preparação para a vida adulta.
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