James M. Dressler
24/07/2017 | Sant’Ana
Começamos praticamente juntos: eu, como um guri de nove anos que descobria os programas de futebol no rádio, e o Sant’Ana, como contratado da RBS, naquele longínquo ano de 1971. Comecei escutando futebol na concorrência, a Rádio Guaíba, e fui conhecer Paulo Sant’Ana só no ano seguinte, com o surgimento do Jornal do Almoço, onde ele passaria a ter um comentário diário.
Naquela época, todos os jornalistas que pudessem escondiam sua preferência clubística, sendo ou não sendo ligados ao esporte. E eis que surge o Sant’Ana, declarando abertamente ser gremista doente. Seus comentários na TV eram imperdíveis, pois (talvez para a sorte dele) o Grêmio passava por uma fase terrível e as derrotas eram uma constante. E lá vinha o Sant’Ana explicar, daquele seu jeito único, folclórico, mais um campeonato perdido para o Inter. Nós, gremistas, ouvíamos as explicações e renovávamos nossas esperanças para o ano seguinte. Lembro que até 1976, para massacrar o “Pablo” ao final dos Gauchões, no Jornal do Almoço da segunda-feira seguinte, adentrava o estúdio um caixão com a bandeira do Grêmio ao som da marcha fúnebre, ao vivo, antes mesmo que ele pudesse dizer uma palavra! E ele não perdia o rebolado! Certamente, se houvesse uma medição da audiência naqueles momentos, daria 100% dos televisores ligados no Rio Grande do Sul. Se houvesse Facebook, o número de compartilhamentos das cenas seria recorde. Sant’Ana era capaz das maiores loucuras pelo Grêmio, como na vez em que encheu sua coluna na Zero Hora, de cima a baixo, tão somente com a repetição do nome de Dario, centroavante que ele desejava que fosse contratado pelo Grêmio (mas que acabou no Inter, para seu desgosto).
Aquela fase, o talento inato, a autenticidade e a paixão inabalável pelo Grêmio, catapultaram a carreira de Sant’Ana, tornando-o o jornalista mais conhecido do estado. E Sant’Ana acabou também estendendo a popularidade do Grêmio, o que se reflete até hoje. O tricolor deve muito a ele.
Mas como toda fase tem um fim, e a gangorra do Lauro Quadros funciona mesmo, um dia a maré mudou, o Grêmio passou a vencer e o Sant’Ana cresceu mais ainda, livre daquela nuvem de derrotas que assolava seu clube querido. Sant’Ana passou a ser o comentarista do cotidiano, do cidadão e seus problemas, e se tornou mais popular ainda. Sua coluna na Zero Hora já era a mais lida pelos gaúchos, obrigando-nos a começar a ler o jornal pela última página, onde era publicada e de onde ele disparava sua metralhadora em todas as direções.
Sant’Ana passou até a ser uma referência para humoristas, que tentavam imitar-lhe, como no “Sala de Confusão” (paródia do programa de rádio “Sala de Redação” em que Sant’Ana participava). Produzida pela turma do “Disco Cuecas” na década de 80, trazia o “Saulo Pantana”, até hoje a minha imitação preferida. Hoje temos o “Santaninha” no mesmo “Sala” que consagrou “Pablo”, e que espero que continue para que, de vez em quando, matemos a saudade do jeito dele se comunicar.
Por fim, o maior reconhecimento ao “Pablo” talvez venha de seus adversários (mas não inimigos) futebolísticos, os colorados, que secretamente (e às vezes até explicitamente) admiravam o irreverente torcedor rival. Como ouvi certa vez de um colorado, “a gente tinha que ter um Sant’Ana só nosso!”.
Sant’Ana foi um personagem único, que os novos tempos de domínio do politicamente correto talvez não permitam mais surgir. Lamentavelmente.
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