James M. Dressler
14/08/2017 | Fúria Legiferante
Pode parecer brincadeira ou falta do que fazer de nossos nobres deputados, mas um Projeto de Lei tramita na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal, com o objetivo de proibir as montadoras de veículos de promover mudanças em automóveis e motocicletas em menos de um ano. Não bastasse essa ideia extravagante, o projeto quer mudar a data inicial do lançamento de novos anos-modelo para 1º de setembro, e o lançamento só poderá ser feita se houver mudanças técnicas, estéticas ou na mecânica no veículo, conforme parâmetros técnicos definidos em regulamento a ser definido.
São tantos equívocos neste projeto, que nem sei por onde começar. Henry Ford começou a indústria do automóvel quase que exatamente da forma que este projeto tenta nos impor. Ele fabricava tão somente o modelo T na cor preta, e o fez sem praticamente modificações maiores durante anos. Até que Alfred Sloan se tornou presidente da General Motors, concorrente de Ford, e além de promover uma reorganização na forma de produzir veículos, teve a brilhante ideia de fazer vários modelos de automóveis para diferentes poderes aquisitivos, de diferentes cores e estilos, e com modificações ano a ano que aperfeiçoavam os veículos em vários aspectos, estimulando os consumidores a comprarem ou trocarem de carro. Foi assim que a GM se tornou a maior fabricante de automóveis do mundo: deu mais liberdade e opções aos consumidores na hora de escolher um automóvel. Ford foi obrigado a seguir a GM em sua estratégia para não falir. Imaginem se o tal projeto fosse aprovado nos EUA lá na época de Ford, estaríamos até hoje andando em algo pouco melhor que um modelo T, pois a inovação da indústria teria sido completamente sufocada.
Este projeto faz-me lembrar de outra pérola da indústria automotiva, se é que podemos chamar tal produto de um automóvel. Falo do Trabant, produzido durante a época da cortina de ferro na Alemanha Oriental, a chamada República “Democrática” da Alemanha. Produzido por mais de 30 anos sem praticamente qualquer evolução ou alteração, ele era feito de plástico reforçado com fibras, algo semelhante à fibra de vidro, e era tão frágil que, se sobrecarregado, partia-se em dois. Foi abandonado nas ruas por seus proprietários depois que o Muro de Berlim caiu, pois não tinham qualquer valor de revenda de tão precários que eram. É o tipo de produto que o projeto em tramitação na Câmara aprovaria com louvor...
Outro equívoco embutido neste projeto é a ideia de que automóvel é uma espécie de investimento, uma reserva de valor para quem o compra. Na realidade, um automóvel é um bem de consumo, e o seu único compromisso deveria ser em cumprir aquilo que promete na venda: levar os passageiros do ponto A ao ponto B, durante sua vida útil. E isso todos os carros em produção ou produzidos pela indústria nas últimas duas décadas fazem perfeitamente. Houve evoluções em todos os aspectos, principalmente na economia de combustível e na segurança, com o ABS e os “air bags”, que já existiam em alguns veículos, mas que passaram a ser obrigatórios há alguns anos atrás, o que elevou o preço dos veículos. Qual seria o efeito se tal projeto já fosse lei naquela época? Atrasaria o lançamento de novos modelos até que tivessem incorporado os novos itens obrigatórios? E se acontecesse isso, a montadora que tivesse redução na participação de mercado por não poder lançar um novo modelo, não acabaria tendo problemas para manter seus empregados e poder lançar o novo modelo mais rapidamente, resultando em modelos cada vez piores à disposição do consumidor?
Imagine então a ideia esdrúxula de ter um período certo para lançamento de novos modelos, em setembro. Imagine que uma montadora descubra uma tecnologia revolucionária em fevereiro, mas que só conseguirá botá-la na linha de produção em outubro. Segundo o tal projeto, azar dos consumidores: terão que esperar um ano inteiro porque este modelo só poderá ser lançado em setembro do ano que vem...
E não esqueça que também terá que haver um órgão público novo para ficar avaliando centenas de modelos de veículos à venda no país, inchando ainda mais a gigantesca máquina estatal brasileira... Claro, para pagar mais estes burocratas, certamente será acrescido um percentual a mais de imposto, provavelmente incorporado ao preço do carro, para garantir este “direito” do consumidor...
Fico pensando em tal ideia transportada para outros setores, como a moda. Em poucos anos, acabaríamos todos vestindo uniformes cinzas, quem sabe em padrões diferenciados e em cores mais interessantes (com algumas medalhas presas ao peito) para a casta dirigente do sistema, tal como havia na China de Mao... É de chorar!
Sempre que o estado resolve se meter a regular detalhadamente a atividade privada, que deveria ficar apenas entre produtor e consumidor, os resultados acabam sendo muito ruins, piorando a situação que pretendia melhorar. Tirando algumas situações específicas que envolva principalmente alimentação, tais ingerências não tem cabimento. O consumidor é totalmente capaz de discernir o que lhe serve ou não.
Parece que a fúria legiferante brasileira teima em não aprender esta lição de liberdade.
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