James M. Dressler
12/03/2015 | De Volta Para o Futuro
Não vou falar do brilhante filme sobre o adolescente que viajava no tempo naquele fantástico DeLorean para o passado de 1955 e depois, coincidência, para o futuro de 2015. O primeiro filme da série foi lançado em 1985, aproximadamente a época do início da hiperinflação no Brasil, que é o tema que vou abordar neste artigo.
Eu lembro que comecei a entender a inflação na época do regime militar, no início da década de 70, quando havia uma inflação pequena em torno dos 20% ao ano, aparentemente inofensiva. Alguns anos depois, ela já era de 40%, mas o governo não se importava, o país crescia com taxas de 10% ao ano, e a idéia era investir mais, contratar mais pessoal e gastar a valer. Para isso o Brasil se endividou cada vez mais, e principalmente a dívida externa cresceu. Aí veio a crise do petróleo e acabamos entrando de vez na chamada espiral inflacionária. Na década de 80, tivemos uma inflação anual média no país em torno de 230% ao ano, e na década de 90, a variação anual média subiu para 500%.
Entre 1985 e 1994 foi uma verdadeira loucura. Eu comecei a trabalhar com carteira assinada, a receber meus primeiros salários e ter conta em banco. Lembro que tinha que usar o telefone para ver se o dinheiro estava na conta e já pedir para aplicar o dinheiro na poupança, porque a inflação era de 10% ao mês, se você deixasse o dinheiro parado na conta, era prejuízo na certa. Se não desse para ligar, o negócio era mesmo ir pessoalmente ao banco fazer a aplicação ou então aproveitar para ir comprar algum produto que já se tivesse em vista.
Em 1986, veio o Plano Cruzado e a esperança que aquela loucura acabasse. Durou só alguns meses, e só vim a entender depois o porquê. O motivo era simples: os governos, em todos os níveis, continuavam gastando mais do que podiam, se endividando, emitindo títulos da dívida e o governo federal especialmente continuava emitindo moeda adoidadamente. Enfim, uma irresponsabilidade fiscal total. Obviamente, se você inunda o mercado com moeda, a tendência é que tudo suba de preço descontroladamente e aí é um salve-se quem puder. No final da década de 80 e início da seguinte era a época de ligar diariamente para aplicar no overnight, famosa aplicação com rendimento diário, e tentar se proteger da loucura do aumento de preços. Obviamente, os preços das mercadorias também acompanhavam as taxas do overnight, e as maquininhas remarcadoras de preços trabalhavam o dia inteiro, principalmente de madrugada, fazendo as atualizações, já que não havia sido ainda implantado o sistema de código de barras nos produtos. Era a época de receber o salário, correr para o supermercado para fazer o “rancho mensal” e encher o freezer. Como a energia elétrica era barata, todo mundo tinha um destes para estocar comida em casa e escapar das remarcações.
Os anos se passaram e esta situação só se agravou. Vieram novos planos, todos fracassados, até que chegamos naquela antevéspera do governo Collor, em que a inflação atingiu incríveis 1.500% ao ano (em torno de 25% ao mês). Collor prometia acabar com a inflação “com um tiro só”. Passou repetindo este mantra durante toda a campanha eleitoral. Até imagino que o povo queria acreditar em algum milagre, que ele fosse um gênio que tivesse uma idéia que ninguém tinha tido antes. Lembro que eu tinha algum dinheiro guardado na poupança naquela época, e de tanto ler e procurar me informar sobre o que seria o “tiro”, fiquei desconfiado e uma semana antes do fatídico confisco, saquei todo o dinheiro da poupança e troquei de carro. No dia do confisco, eu só tinha 20 cruzados na conta e acabei escapando do confisco da poupança. Pura sorte.
O plano foi um fracasso, logo em seguida a inflação disparou novamente, até chegar aos inimagináveis 5.000% antes da implantação do Plano Real, o que corresponde a uma inflação mensal de 40%. Mas enfim ele chegou, trouxe junto a Lei de Responsabilidade Fiscal, encerrando a farra de gastos e emissão de dinheiro que alimentava a inflação. O resto é história.
Quando ficou claro, na campanha de 2002, que o PT chegaria à presidência, eu já acreditava que mais cedo ou mais tarde perderíamos tudo que havíamos conquistado em termos de controle da inflação, baseado no passado do partido, que sempre foi contra o Plano Real, mesmo depois que era evidente o seu sucesso. Eu antevia a volta da irresponsabilidade fiscal, tolerância com a inflação (em troca de um pouco mais de crescimento do PIB, um falso dilema) e a ocupação petista da máquina do Estado. Demorou, mas pouco a pouco os pilares do Plano Real foram sendo derrubados. Como José Dirceu imaginava, era preciso dar um passo atrás num primeiro momento, ganhar a confiança dos agentes econômicos, para pouco a pouco implantar as políticas econômicas petistas. Isto aconteceu a partir do segundo mandato de Lula e durante todo o mandato de Dilma. Agora estamos apenas colhendo os efeitos: sem crescimento do PIB e inflação, a chamada estagflação.
E então me sinto assim, de volta para o futuro, que me lembra muito aquele passado distante, onde a minha história profissional começou, 1985. Inflação disparando, dólar e gasolina nas alturas, mas agora com estes adicionais: corrupção sistêmica, seca e risco de apagão, mesmo com a energia elétrica 70% mais cara do que em dezembro de 2014. Nem o freezer vai dar para ligar desta vez.
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